Humm...Digamos que a gente beba sei lá, umas
seis cervejas, o que já é muito... Caso ela não beba álcool, vai tomar uns dois
refrigerantes no máximo... mais a comida... apesar que mulher nunca come muito
no primeiro encontro, eu também não sou de comer muito... hummm...Vamos colocar
a sobremesa só para desencargo de consciência... mais dois couvert... quer
dizer, só o dela, porque o meu eu não pago.. o ônibus... ida e volta...xiiii...a
volta vai ter que ser de táxi...uma halls e um maço de cigarro...
Acho que dá.
Oitenta e cinco reais e quarenta e dois
centavos, um dólar e um botão.
Foi tudo que a lata comprida da embalagem
vazia de whisky, que eu usava como cofrinho, me ofereceu para esta noite.
E metade disso era em moedas.
Eu nunca tive papai nem mamãe para me dar
mesada. Quer dizer, meu pai faleceu faz um tempo e minha mãe tinha compromissos
mais importantes com o orçamento da casa do que se preocupar com meus caprichos
fúteis.
Por conta disso, trabalhei desde cedo e sempre
aprendi a me virar com pouco.
Também nunca fui bom em
e-con-omiz-ar...econo-mi..Nem sei soletrar.
Meu incrível plano orçamentário consistia em
pegar todo o salário, enfiar na lata e ir “sacando” aos poucos.
O ruim de sair com as mulheres da minha época
de jovem, é que não havia a menor possibilidade de uma mulher rachar a conta
com você. Nem pagar uma pipoca, podia. Pegava mal. Coisas do machismo.
E nesse dia eu tinha um encontro às escuras.
Eu ainda peguei encontros às escuras.
Hoje em dia é tudo mais fácil. Usando google
e facebook qualquer idiota vira um super agente secreto da CIA.
Dá para ver “os córnos” da pessoa, condição
social, do que ela gosta, onde freqüenta, quem está comendo, circunferência dos
mamilos, marcas na bunda, a última vez que foi no ginecologista. E claro...
todos os ingredientes do prato que a pessoa comeu no almoço.
Enfim...
O fato é que a minha amiga Pomarola me devia
uma.
Apresentei um camarada para ela, que era
bonito, de família, com dinheiro e corretíssimo.
Se casaram anos depois, inclusive. (Mas já se
separaram.)
- “Finalmente quitarei minha dívida com
você!”
- Até que enfim! Mas não dá para vocês virem
juntos? Seria bem melhor sairmos em dois casais.
- “Não me diga que o magnânimo e
surpreendente Mr. Morse está nervosinho?
- Não estou nervoso, mas é que...
- “Pode ficar tranquilo porque essa minha
amiga é ótima e eu estou há meses só falando bem de você.”
- Falando o que?
- “Ahhhh... Mentindo, né!”
- Porra, Pomarola!
- “Estou brincando. Mas ela está doida para
te conhecer de verdade. Tenho certeza que vocês vão se dar super bem.”
- Falou para ela que eu sou preto?
- “Não. Falei que você era albino! Claro que
contei, né?!’
- Bom, porque eu não gosto de dar susto em
ninguém igual um Saci, não.
- “Relaxa... Confia em mim. Boa sorte! Tchau!”
Pomarola desligou o telefone e eu ainda
fiquei discando os números aleatoriamente e pensativo.
Claro que eu estava nervoso!
Sou tímido! Ao contrário do esforço que faço
para parecer o contrário.
Cheguei ao local com meia hora de
antecedência e pedi um chopp ao garçom.
O problema de um encontro às escuras, é que corre
o risco da pessoa que você está esperando não ser nada daquilo que você
imaginou.
E foi exatamente o que aconteceu.
Não acreditei quando vi a mulher que me
olhava sorrindo enquanto se aproximava da minha mesa.
- Puta que pariu... Pomarola, sua filha da
puta!
A mulher era fantástica!
Chegou bem perto de mim e sacou o dedo, como
quem brinca de cowboy:
- “Angelo Morse, acertei?”
Acertou na goela do meu estômago.
Todo o resquício de confiança que eu estava
guardando foi-se embora pela minha cueca.
A mulher era muita areia para o meu caminhão.
E eu nem tinha caminhão.
Para não perder a compostura, fiz o que
qualquer homem confiante faria:
Gaguejei:
- Si-sim. E vo-você é a...
Esqueci o nome da mulher, acredita?
- “Karen!”
- Claro! Karen... perdão!
Limpei a garganta como se ela fosse a culpada
pela minha imbecilidade.
Eu dei beijinho no rosto, quando fui dar o
segundo, ela tirou a cara.
Meio constrangedor.
- “Foi mal! Esqueço que aqui no Rio damos
dois beijinhos.”
Veio e me deu mais um smack molhado na
bochecha.
- “É que paulista só dá um.”
- Você é de Sampa?
- “Nem pensar! Morei lá com o meu pai durante
os últimos três anos. Agora voltei para cá de vez. Amo o Rio!”
Karen não falava só com a boca.
Abusava das mãos, dos olhos e das pernas. Era
inquieta, a mulher!
Pontuava cada frase com uma simples e
charmosa jogada do cabelo preto, cheio e encaracolado.
Eu estava com a minha melhor roupa, mas devia
ter saído com a minha melhor cara.
- “Sabe o que eu quero? Caipirinha!”
O preço da caipirinha era o mesmo de uma
cerveja. Recalculando a lata...
- Boa pedida!
Assobiei para chamar o garçom igual um
velhinho asmático, mas Karen se antecipou levantando o braço, chamando atenção
dele e de todos ou outros homens ao redor.
Foi o suvaco mais sexy que eu já vi em toda
minha vida.
Me deu vontade de beijá-lo. De língua.
Enquanto eu cervejava; ela caipirinhas.
Eu fazendo conta de cabeça igual o Rain Main.
- “Estou com fome, sabia?”
- Eu nem tanto.
Como ia ter fome depois do prato que bati em
casa para forrar o estômago?
- ‘Ah, mas eu nem almocei.”
Glup!
Qual é a última coisa que uma mulher vai
pedir num primeiro encontro?
- “Hummmmmmmm... Frango a passarinho!”
E a lata esvaziando.
A mulher comeu igual uma amazonas. Mas sem perder
o charme.
E dá-lhe caipirinha... E a lata esvaziando...
Karen era diferente de tudo o que eu já tinha
visto na vida em forma de mulher.
Não ligava para porra nenhuma e só prestava
atenção em mim.
Falava muito e muito rápido, feito uma
metralhadora de palavras.
No meio da noite eu já sabia tudo sobre a
vida dela.
- “Eu falo para caralho, né? Me conta de
você!”
- De mim?
Estiquei ao máximo tudo o que eu achava de
mais interessante na minha existência.
E para tentar ficar mais bonito, olhava para os
olhos delas como se fossem flashs de câmeras.
Mais o meu maior problema é que pobre tem
mais é que morrer, mesmo!
Da minha grana, pelas minhas contas...Só
restava o botão.
A medida que o garçom ia despejando coisas na
mesa, eu ficava com aquela cara de quem está com cólicas de dor de barriga,
saca?
- “Tudo bem, Angelo? Acorda!”
Estalou os dedos na minha cara.
- Hehe...
Dei aquele sorriso de cagado.
- “Ficou disperso, de repente.”
- Desculpe. É que eu acabei de lembrar uma
coisa...
- “O que?”
Preciso roubar aquele senhor ali e já volto.
- ...Prometi a Pomarola que dançaria com você.
Han????
Inventei.
Foi a primeira coisa que veio na minha
cabeça.
Aproveite que estava tocando Skank no som do
lugar.
Levantei e fiz uma cara de James Bond:
- Me concede essa dança?
- “Com certeza...”
Está fudido? Está desesperado? Está duro?
Dança. E eu sei dançar bem.
Enquanto a gente rodopiava eu tentava achar
uma forma de pagar aquela conta que já tinha ultrapassado umas duas vezes o
valor que eu tinha ingenuamente estipulado para gastar naquela noite.
O que eu sei, é que no meio disso tudo ela me
beijou.
Fim da história.
Mentira...
Eu ainda tinha que pagar a conta.
Eu sei, eu sei...
De repente ela manda serpentemente no meu
ouvido:
- “Quer ir para outro lugar?”
Tá de sacanagi...
Nem tinha cogitado o motel. No primeiro
encontro?
Me senti um eunuco* frente uma prostituta.
Aí, não tinha jeito. Só se a gente levantasse
e saísse correndo do restaurante.
- “Te assustei?”
- Nãããão... cla-claro que não.
- “A vida é curta e eu sou direta.”
Deu uma gargalhada mordendo o canudo do copo.
- Filosofia de vida interessante, mas é
que...
Parecia que eu ia cometer um Harakiri*
- Por incrível que pareça...Hoje...
Tanto o anjo e o diabinho tentavam me
amordaçar com o guardanapo.
- Eu não posso chegar em casa muito tarde.
Tiro na têmpora.
- “Sério? Porque?”
- É que... a minha mãe está muito
doente...e...precisa...tomar um remédio...e...enfim...
- “O que ela tem?”
Um filho retardado.
- Ela tem...uma..ma...no coração...e...Não
quero falar sobre isso!
- “Tudo bem. Mas tem alguém com ela agora?”
- Tem a minha irmã, ma...mas... Ela vai
viajar de madrugada. Geralmente a gente divide, mas ela já tinha marca-cado
essa viagem antes de eu combinar de sair com você, então...
- “Puxa...”
- Mas eu vim! Não ia deixar de te conhecer
por nada nesse mundo.
Tirei o cabelo dela do meio da testa com o
indicador.
- “Por isso você ficou meio estranho de
repente, né? Quer ir embora agora?”
Não, quero casar com você e ter quinze filhos!
- Não, não... podemos ficar mais um pouco.
Gente, eu estava esperando uma brisa, me
aparece um furação.
- “Então vou pedir mais uma caipirinha!”
- Pede duas.
Já estava fudido mesmo.
- “Vou ao banheiro.”
- Ok.
Nessa hora eu pensei:
a)
Choro
até ficar seco por dentro.
b)
Me
mato e reencarno como um camundongo.
c)
Tenho
um ataque epilético.
Quando o garçom voltou eu tive que chamá-lo
na conversa:
- Cara, estou com um problema. Esqueci meu
dinheiro em casa.
- “Xiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii...”
- Pois é! E estou com essa deusa. Não posso
contar isso para ela.
- “Amigo...Fala com o gerente.”
- Quem é?
- “Aquele lá!”
Quando estava indo de joelhos pedir clemência
ao gerente, dou de cara com o músico que acabara de chegar com o violão nas
costas. E era meu amigo.
Por isso que eu não iria pagar couvert.
Me atraquei no pescoço dele igual uma
surucucu no cio.
Contei toda história.
Ele foi de uma sensibilidade ímpar!
- “Faz o seguinte. Vê quanto que deu, abate o
que você tiver aí, que o resto eu falo para jogar na minha conta. Depois você
me paga!”
- Jura?
- “Com a gente não tem isso.”
O mais engraçado, é que ele nem era meu amigo
tanto assim, mas por conta desse dia, se ele me pede um rim hoje, eu dou.
Voltei para mesa e Karen já estava sentada sem
entender nada.
- “O que houve?”
- Esse que é o meu amigo. Vai começar a tocar
só agora.
- “Legal!”
Ainda curtimos um pouco do som enquanto a
caipirinha descia no copo.
E ainda deu para trocarmos mais alguns
beijinhos...
- “Se eu te disser uma coisa você jura que
não fica chateado?”
Tensão.
- Pode falar.
- “Eu sei como vocês meninos são com essa
coisa de dinheiro e tal...”
Glup!
- Han...
- “Eu já paguei a conta!”
- Como assim????
- “Eu sabia que você não ia me deixar dividir
e resolvi pagar tudo.”
- Que isso menina?
- Ah Angelo! Você veio para cá, com a mãe
doente, só para me ver, pô.
- “Nada a ver, eu...”
- A próxima você paga!
- Não, não...Vou chamar o garçom e...
- “Shhhhhhhhhhhh!”
Colocou o dedo selando meus lábios.
- Tudo bem, então na próxima eu pago.
Onomatopeia da metafórica latinha enchendo
novamente no meu bolso:
Clin
clin clin clin clin
Essa menina era um espetáculo, não?
Inverossímil.
- “Mas agora vamos embora porque até eu estou
preocupado com a sua mãe.”
- Mas é que...
E aí? Como é que desfaz a história?
- Tem razão.
Botei ela no táxi para um lado e peguei outro
para casa.
- Você me liga?
- “Claro!”
Mas nunca mais rolou...
Lembro de chegar em casa, e minha mãe, mais
saudável que um búfalo ainda mandou essa:
- “Achei que você fosse chegar de manhã.”
- É...
E virei de volta na latinha: setenta reais e
quarenta e dois centavos, um dólar, um botão e uma camisinha velha e suada que
eu sempre levava na carteira.
Nem vou contar o esporro que tomei da
Pomarola.
Nota: * = google
E não esqueça de
divulgar para os amigos e inimigos também.
Você me ajuda e eu
fico feliz.
Bejoca