"E
para o Judas traidor, a língua foi o chicote do cu."
Ravengar 2:34 - Velho Testamento
Primeiramente
veio o brilho intenso e brilhante ofuscando minha visão por alguns segundos.
Era
a geladeira, que parecia mais uma procissão: Só tinha água, luz.
e a imagem de um religioso impresso no rótulo de uma solitária garrafa azul,
irresponsavelmente deixada pela metade com a rolha interna, deprimida e
náufraga.
Liebfraumilch,o
Romanée Conti de uma época onde vinho se bebia em caneca.
De
repente, pelo vidro da garrafa vi o vulto se aproximando.
Usando
a penumbra como lençol, esgueirando-se entre móveis e esquinas, esvoaçante
feito um espírito evoluído.
Sua
presença seria quase imperceptível, não fosse sua respiração refrescante como
a de um predador que se aproxima salivando até a presa.
O
ar ficou mais frio, saiu fumaça da minha boca e meu corpo todo arrepiou.
Eu
sabia quem era e o que queria.Também sabia que seria muito errado.
Ainda
agachado, fechei a geladeira e os olhos, encostei a testa na porta e esperei o
primeiro contato, como uma virgem.
Senti
aqueles dedos macios deslizando pelas minhas costas seguindo a coluna até que a
mão quente repousasse por completo sobre meu ombro esquerdo.
Não
haveria escapatória, eu seria devorado.
Trairia
um amigo e queimaria no inferno por toda a eternidade.
-
“O que custa?”
Mas tudo
culpa do fdp do Cabeça de Bagre.
-
“O que custa?”
-
Segurar vela? Custa um milhão de dólares em barras de ouro.
Segurar
vela não passa de masoquismo.
Causa
inveja, dor de cotovelo, câncer na próstata e no colo do útero.
-
“Poxa, mas nós somos brother...Tipo... Cain e Abel!
C.B
era um sujeito do bem.
Só
que ele era... como posso dizer sem ser malvado... Burro!
Cada
palavra proferida por ele era recebida pelos amigos como um tiro de escopeta no
cérebro. (Hoje
é um ótimo advogado!)
-
“Você fala isso só porque eu tive hemorróida na cabeça”
-
Seborréia... Cabeça de Bagre... seborréia!
Enfim...
-
“Cara... Por favor, essa mulher merece o esforço...”
A
mulher realmente era maravilhosa.
Parecia com a atriz Gabriela Duarte.
Tinha até aquele sorriso angelical.
Era
simpática, bonita e não muito exigente no quesito intelecto, pelo visto.
-
“Então! Ela me convidou para jantar na casa dela para conhecer a
família.”
-
Boa sorte!
-
“Por favor! Eu juro que não vamos demorar! A gente janta, a mãe dela cozinha
para caramba! Faz uma social com a família que ela disse ser super divertida e
vamos embora.”
-
Porra, Cabeça de Bagre...
Fazer
companhia ao amigo que vai conhecer a família da namorada é mais que segurar
vela. É plantar bananeira, meter a vela acesa no rabo, deixar escorrer cera pelo
saco e enfiar o fósforo quente pela uretra.
-
“Por favor, cara, eu disse a Gabi que ia te levar. Estou muito nervoso para ir
sozinho. Com medo de falar alguma besteira.
Você
pelo menos ajuda, faz piada, brinca e tal...”
-
“Todo mundo gosta de você!”
Isso
está muito longe de ser verdade, mas eu entendi o que ele quis dizer.
-
Tá bom C.B. Eu vou contigo.
-
“Te amo!”
Ao
tocarmos a campainha, percebi que eu estava nervoso. Suando pela mão como um
ator estreante que antes de entrar em cena espia a platéia por trás da cortina,
com medo de subitamente esquecer o texto.
Mas
foi só Gabriela nos receber com aqueles dentes perolados de quem acabou de
fazer limpeza de tártaro, que tudo virou paz.
Ela
era realmente apaixonante...
-
“Sejam bem-vindos!”
Casa
grande, antiga e pouco iluminada, com várias esculturas, quadros, tapetes e
duas cacatuas desconfiadas.
Não
gosto de cacatua.
Senti
um cheiro de Leite de rosas que fez até meu nariz coçar.
-
“Entrem! Mamãe está na cozinha e papai está lá no quarto.”
Não teria família divertida nenhuma, só mesmo papai e mamãe.
Cabeça
de Bagre mentiu descaradamente.
Tanto
que desviou do meu olhar assassino.
-
“Bom dia, queridos!”
Se
a filha parecia com a Gabriela Duarte, a mãe lembrava um pouco a Regina Duarte,
só que numa versão mais para Renata Sorrah.
Falava
alto, cheio de trejeitos e anéis... meio sobrevivente do Woodstock.
Deu
dois beijinhos junto com um copo para cada um.
-
“Tem vinho, cerveja, cachaça e acetona. É só escolher!”
Gargalhou
incorporada de uns vinte e dois Sergueis*.
Cabeça
de Bagre se assustou, Gabriela enrubesceu.
E
eu, fiz o que qualquer ator experiente faria:
Rasguei
todo o script que tinha decorado e partir para a improvisação nua e seca.
Não
tinha nem jantar, mermão! Era apenas salame e queijo.
A
mãe dela era engraçada. Cagava e andava para as formalidades.
Revelou
todos os segredos infantis da filha, envergonhando-a.
Já
o pai, velho, broxa e cansado, levantou da cama apenas uma vez. Deu um oi
sisudo e perguntou:
-
“Regina! O que tem de almoço amanhã?”
-
“Língua com batatas.”
-
“Eu gosto de língua."
E
Seu Mausoléu voltou para o sarcófago da mesma forma que saiu.
Coçando
a bunda cheio de pereba para fora do pijama.
Descobri
de onde vinha o odor de Leite de Rosas.
Dona
Regina fez piada com marido e continuamos o bate papo e a bebedeira até mais
tarde do que deveríamos.
Foi
até divertido, até que chegou a hora etílica de irmos embora.
Só
que chovia. Muito!
-
“Vocês não acham melhor dormirem aqui?”
-
Não, não... Muito obrigado, mas nós temos que ir.
-
“É cara... não sei não... também acho melhor a gente ficar... Essa chuva não
vai parar tão cedo.”
-
Vai sim, daqui a dez minutos acaba. Eu tenho que ir.
Fica
você, cretino! Deixa eu ir embora, porra! (Disse
a ele com os olhos, mexendo apenas a retina.)
O
filho da puta do C.B, ganhou um belo pretexto pra dormir na casa da mulher, mas
queria me arrastar junto para não pegar mal com o pai dela. Nesse dia ele
estava tão recatado que nem beijar a mulher na nossa frente, beijou. Só ficaram
de mãos dadas.
-
Sério, gente, eu tenho que ir... Beijão, muito obrigado mesmo...
E
já fui em direção à porta.
-
“Deixa de ser bobo, dorme aqui na minha casa... ”
Gabriela,
falando baixinho, segurou-me pelo antebraço e olhou no fundo dos meus olhos, de
um jeito diferente, sabe? De um jeito... sei lá! Nem sei se isso aconteceu de
verdade.
É
que ela era apaixonante... mas tão apaixonante que eu...
-
Se vocês insistem... Vou ficar.
Dona
Regina, de pileque, sorriu e puxou a saideira.
Depois
arrumou nosso quarto e foi dormir, mas antes lançou, toda séria, uma frase
carrancuda na carótida do meu querido amigo Cabeça de Bagre:
-
“Nada de fugidinha noturnas! É para dormir mesmo hein!”
E
num é que Cabeça de Bagre obedeceu?
O
bichinho apagou na mesma hora.
Já
eu não. Virei para um lado, virei para o outro... Levantei, voltei para sala,
acendi um cigarro...Olhei para rua, olhei para o corredor que levava aos
quartos... acendi outro cigarro. Olhei para o espelho, olhei para as cacatuas,
olhei até para a imagem de Jesus Cristo que me olhando de baixo para cima,
reprovou meus pensamentos.
A
chuva diminuía.
-
Droga, droga, droga... que merda eu estou querendo aprontar?
Fui
para cozinha sem acender nenhuma luz. No breu total.
Procurava
alguma bebida que me botasse no prumo.
Mas
se Deus não joga dados, o Diabo brinca de Lego.
Foi
só meter a mão na garrafa de vinho que ela surgiu do nada como se eu tivesse
esfregado a própria lâmpada do Aladim.
Rezei: - não
faz isso, você vai se arrepender, não seja um porco...
Mas
ela era completamente apaixonante, mais do que apaixonante, ela era...
DONA
REGINA?!
Mermão...
a coroa veio toda trabalhada no hobby de patchwork e já chegou apalpando igual
revista carcerária.
-
Que isso, Dona Regina? Seu marido...
Cheia
de fome, lambendo a beiçola feito a bruxa do João e Maria.
-
“Deixa de ser bobo, garoto, aproveita!”
Tentei
usar a manobra Cumpadi Washington na dança da cordinha pra me livrar da coroa,
mas ela sacava mais braços que vilão do Homem Aranha.
Tentando
me esquivar, minha cabeça quase derrubou o filtro de barro.
A centopeia escorou-me entre a pia e a batedeira e adentrou taradona e fervorosa com a língua igual de um tamanduá micareteiro.
A centopeia escorou-me entre a pia e a batedeira e adentrou taradona e fervorosa com a língua igual de um tamanduá micareteiro.
-
Dona... Dona... DONA...
Só
largou assustada quando ouviu o grito que espancou a escuridão feito um
relâmpago:
-
“REGINA!"
De
medo, meu cu fechou feito bolinho primavera.
A
voz do Seu Mausoléu veio acompanhada de Leite de Rosas, rouquidão e pigarro.
-
“Traz meu xarope, por favor!”
-
“Já vou, meu bem!”
Ela
se enterrou em seus panos e partiu sem me olhar, um tanto frustrada, um tanto frustrada.
Entornei
o vinho branco na garganta de uma vez só:
-
Que, que isso! Mentaliza o azul... o azul...
Achei
por bem ir embora para casa, mas quando voltei para o quarto, a porta estava
trancada.
Gabi
estava lá dentro junto com C.B, meu sapato, celular, carteira, etc.
-
C´est très magnifique!
Tive
que dormir no sofá ao lado das cacatuas, que não ousaram falar nada, mas
cochicharam e riram da minha cara durante o resto da madrugada.
No
dia seguinte, na hora do almoço, como se nada tivesse acontecido, todos
provaram a suculenta língua da Dona Regina que sinceramente...
Era
boa pra cacete!
CURTIU?
Compartilha
com os amigos! Dá essa moral ae...
Muito boa! Faz uma do encontro Plinioleitense! Bju😘
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