quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A morte da Lagosta.


Acordei para alimentar os peixes do meu aquário e caio de joelhos boquiaberto ao perceber que Lacroix (Leia-se Lacroá) minha lagosta de estimação sumiu.

Abre aspas:

Lacroix é um lagostim, um crustáceo de água doce proveniente do Estado da Lousiana, Tio Sam.

Sua pesca é proibida pelo IBAMA.

Fecha.

Eu não sabia disso, mas confesso que estranhei quando tive que comprar de um cara, que conhecia um cara, que conhecia um cara, que conhecia um cara que não quis dizer o nome.

Eu sei que comprei Lacroix ainda bebê, mas ele cresceu, trocou de casca, estava com uns 15 centímetros, ficou bonitão, vermelho, forte.

Tirava onda no aquário.

Todos os meus amigos gostavam dele.

Já os amigos dele, mais ou menos.

É que às vezes, ele os comia.

Comeu George, o camarão, comeu Cobrinha, a cobra do mar, comeu Ranheta, a rã albina, comeu...Enfim.

Ele comia os amigos.

Mas eu nunca o julguei por isso.

Afinal...

Quem nunca comeu um amigo?

Então você imagina o susto que tomei quando olhei o aquário e não o vi?
Puta que pariu, ele deu um parkour e fugiu do aquário.

De vez em quando eu o levava para dar um passeio, então eu sei que o filho da puta agüenta um tempo fora da água.
Acostumei mal.

Quanto tempo ele sobrevive fora da água?

Toca a procurar pela casa.

Sala, quartos, varanda, cozinha, banheiros...

Nada!

Só sobrou uma opção:

Minha varanda dá de frente para a piscina do prédio.
Olhei e vi algo boiando.
Oitavo andar.  Lacroix deu um mergulho de cabeça direto na piscina cheia de cloro.

Mas o bicho é sinistro, pode estar vivo.

Desço eu com a redinha pega peixe, às 6:43 da manhã, para resgatar a lagosta suicida.

Chegando ao Play, descubro que o era um pregador de roupa boiando.

Desolação.

-“Bom dia Dr. Angelo!”

Os funcionários do meu prédio me chamam de Dr. Angelo.
Eu não sei por que, mas até que eu gosto.
Ih eu bem podia ter um DR no nome.
Podia ter sido um ginecologista ou um dentista talvez.

Se bem que...

Ginecologista deve ser igual ao cara que corta frango de padaria.
Você acha que o cara que passa o dia cortando centenas de frangos de padaria, quando chega em casa quer comer frango de padaria?

O cara deve odiar até o cheiro de frango de padaria.

Eu seria dentista.

- “Bom dia Dr. Angelo!”
- Que susto Fabiano, porra! Bom dia!
- "Desculpe! Algum problema?"

Só porque eu estava na piscina do prédio com uma redinha na mão às 6:48 da manhã?

- Não, não...nenhum.
- “É que estou vendo o senhor engatinhando pelo corredor. Perdeu alguma coisa?”

Eu engatinhei mesmo.

- Cara...Na verdade, eu vim ver se minha lagosta tinha se jogado na piscina.

Nem eu acreditei na frase.

- “Como assim?”
- É que eu tenho uma lagosta de estimação, e ela fugiu!
- “Uma lagosta de verdade?”

  Ai, ai...

- É! Bem pequena. Avisa aos funcionários, que se alguém achar uma lagosta passeando pelo prédio, é minha!
- “Claro, pode deixar!”

O "Claro, pode deixar" dele soou assim:
“Coitado do Seu Angelo, drogado já a essa hora.”

- Amor, a lagosta sumiu!

Tive que acordar minha mulher.

Só que ela morre de medo da lagosta.

-“Como assim? Ela saiu do aquário?”

Foi se cobrindo e se encolhendo como se eu tivesse dito que o Aligator  tinha fugido do aquário.

- Eu tenho que trabalhar! Antes de você sair, vê se acha ela por aí.
-“E se ela me atacar?”

A cena: Uma lagosta de 15 centímetros saltando na jugular da mulher e a devorando.

- Amor, não é um escorpião nem uma lacraia, nem uma cascavel. O máximo que pode acontecer, é ela te dar uma beliscadinha de nada.

Pra quê fui falar isso.

Ela se encolheu mais ainda como se estivesse ilhada por seis milhões de lagostas esfomeadas e assassinas.

Fui trabalhar não acreditando.
O bichos morrerem de vez em quando eu já estou acostumado.

Por isso crio peixe e não cachorro.

Mas desaparecer?

Sabia que o medo iria fazer minha mulher procurar em cada cantinho da casa.
Com minha filha junto, claro!

Horas depois...

- “Amor, que surreal, a lagosta sumiu mesmo!”

Surreal.

Depois que o meu aquário de um milhão de dólares quebrou, eu coloquei os peixes em um mais modesto. Tinha um bom espaço já que Lacroix tinha comido quase todos os vizinhos.

Mas percebi que ele andava meio jururu comigo.

Deprimido.

16 horas depois do trágico e inacreditável sumiço da Lagosta toca o celular.

- “Amor, achei a lagosta!”
- Viva?
- “Não, morta.”
-Onde ela estava?
- “Você não vai acreditar, ela estava dentro do seu travesseiro.”

Quando ela foi ajeitar nossa cama pra dormir a lagosta caiu seca no pé dela.
Imagina?

- Droga...amor, põe por favor ela na água que quando eu chegar dou uma olhada.
-“Tá louco? Eu ainda tenho medo dela”

E assim morreu Lacroix.

Queria apenas um pouco mais de carinho.
Um pouco do meu cheiro.
Ou queria apenas me comer.

Tudo bem que se eu acordo de madrugada com a lagosta na minha cara ia tomar um susto da porra.

Hoje de manhã...

- “Bom dia Dr. Angelo! Achou a lagosta?”
-  Bom dia Fabiano! Achei sim, ela estava morta no meu travesseiro.

- “Puxa...Meus pêsames! Mas pelo menos ela morreu dormindo.”

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Carne Vale?


Que merda!

Acordei de ressaca e escovei os dentes com Hipoglós.

Palmas para o idiota.

Minha boca tá...argh!

Quarta feira de cinzas.

O carnaval foi perfeito.

A única coisa que me irritou de assistir foi o “assédio estuprológico” nos blocos.

Sério! Mulher hoje em dia tem que ser vadia ou psicopata.
Porque os caras chegam em bando, cercando, dando chave de braço, puxando o cabelo, sufocando, dando cotovelada no ventre, joelhada na espinha...
Ou a menina é obrigada a beijar 400 mil bocas ou tem que sacar uma espada samurai e matar um por um.

- “A gente gosta de homem com pegada”, disseram as mulheres.

E foi isso que eles entenderam.

Na minha frente, quatro trogloditas em cima da loirinha pra arrancar um beijo forçado.
A menina se debatendo.
Uma cena ridícula!

Os caras disputam quem beijou mais bocas.
Sem comentários...
Enfim.

A loirinha, bonitinha por sinal, me pediu ajuda com os olhos, sabe?

Eu estava sozinho, o inteligente mesmo seria não me meter.

Mas...

- Ô galera! Calma aí! Pega leve!

O otário mais bombado se virou e me encarou assim com maior cara de pitboy:

- “Tá com ela?”

Ele fantasiado de Freddy Krueger e eu de...Hippie, com uma flor na mão.

E eu nem conhecia a mulher, já estava arrependido.

- Fala sério gente! É carnaval! Olha a quantidade de mulher gostosa na cidade e vocês perdendo tempo com essa feia aí.
- Nem parece que é carioca.

Joguei essa.

-“Tem razão Woodstock! Vai lá feiosa!”

E os quatros ficaram zoando a menina que foi embora, puta!

Foi o máximo que consegui fazer para salvá-la.

De repente uma mulher caranguejo passa e me arrasta pelo braço.

Clack!

Não, ela não estava fantasiada de caranguejo!
Ela tinha cara de caranguejo!

Tinha até um corpo bonito...e cara de caranguejo!

E começou a me rodar na dança.

Detesto que me rodem.

Aproveitando que eu estava tonto, a Mulher Guaiamum sacou uma pluma cheia de bolinhas e cravou no meu cabelo igual uma estaca.

“Agora é bonito!”

Era gringa ainda por cima.

Eu nem liguei!  Dei uma risada e saí pulando ao som da minha própria marchinha.

Meia hora depois, uma amiga olha pra mim e faz uma cara:

- “Se você visse o emaranhado que a mulher fez com esse enfeite no seu cabelo... nunca mais vai sair daí”.
-Jura?

Conheço as particularidades do meu cabelo.
Outro dia fui lavar caiu um Tamagotchi.

Quatro pessoas tentando tirar a porra do enfeite que a desgraçada da Mulher Crustáceo enterrou no meu cabelo.

Só sentia os fios quebrando e as penas caindo.

Ranck! Rank!

E eu parado no meio do bloco sendo operado.
Duas horas depois conseguiram tirar.
Doeu.

Odeio caranguejo!

- “Tá rolando um samba em Santa, vamos?”

Convocou o meu amigo Pilhado.

- Partiu!

Sambinha de roda, bom toda a vida!
Só estava meio escuro...
Tão escuro que Pilhado foi mijar, deu de cara com o digníssimo Cartola e tomou um susto.
O cara estava igualzinho ao Cartola mesmo.

Carnaval.

476 cervejas depois me deu vontade de fumar.

- Me vê um cigarro!
- “Não vendemos cigarro!”

Cigarro é uma merda, mas é bom.

De repente escuto uma voz “Ana Carolinesca” no meu ouvido.

- “Queria quantos cigarros, meu amor?”

Arrepiou os pelinhos da nuca!

- Eu queria um, mas não tem e...
- “Eu te dou dois!”

E veio para o ataque.

Quando eu a vi, saquei logo que da fruta que eu gosto ela chupa o caroço, engole a casca e mija o suco.
Sapatão dando em cima de homem é muito estranho.

Mesmo no carnaval.

Mas não era nada disso.

Vou aliviar um pouco a barra dela:
A luz era pouca, a música alta, ela parecia bêbada, eu vestia uma túnica indiana até o joelho, uma faixa colorida na testa, estava cheio de pena no cabelo e purpurina na cara.

Eu sei!
Nada no mundo explica alguém me confundir com uma mulher.
Nada!
Mas ela se confundiu o que posso fazer?

E veio sensualizando igual um polvo:
- “Não estou vendo peito suficiente pra guardar cigarros!

Deu uma beliscada singela no meu mamilo.
E foi enfiando os dedos entre meus peitos, mas quando sentiu os pêlos...

- Deve ser porque eu sou homem, né?!


Mermão, a sapa deu um Duplo Twist Carpado pra trás com um olhão arregalado.

-“Porra, qual é cara?”
- Qual é digo eu maluca!
- “Que merda, vou parar de beber!”

E foi embora confusa, envergonhada, trôpega e injuriada.
  
Estava bom de carnaval para gente.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Pessoa Muito Importante

 
Era uma festa VIP, logo assim que as siglas viraram moda por aqui.

Muito VIP por sinal.

Só com atores globais...

E eu.

A história de como fui parar nessa festa, já daria uma crônica à parte.
Mas não é sobre isso que eu vou falar.
O fato é que eu estava na porra da festa, bebendo, comendo e fazendo pose de artista.

Sozinho.

Quando você chega numa festa que não conhece ninguém, precisa traçar algum tipo de estratégia, seguindo as quatro regrinhas básicas de sobrevivência:

Regra 1:
Enquanto os convidados estão se cumprimentando, arrume rapidamente um bom local para se sentar.
De preferência pegue logo uma mesa.
Coloque tudo que puder em cima dela pra mostrar que aquele lugar é seu.
Se puder urine em volta.
Mesmo que você divida o local com alguém depois, estará sendo gentil e ainda pode dar a sorte de ter uma boa companhia ao seu lado.

Regra 2:
Assim que tiver uma chance, pergunte o nome dos garçons.
Chamar o garçom pelo nome faz parecer que você é gente fina, íntimo e sofisticado.

É a diferença entre:
-“Ei! Ou! Amigo! Garçom!...”

Para:
- Marcos! Poderia me trazer uma água, por favor?

Regra 3:
Sorria.

E por último...

Regra 4:
Tenha sempre uma rota de fuga, caso você fique bêbado e faça uma merda, como vomitar no tapete, destruir a mesa de doces, quebrar o aquário, etc.

20 minutos.

E eu já estava íntimo, batendo papo com o Luis Fernando, Beth e Patrícia.
Sabe como é, né?  
O humor...

De repente, no meio de uma pequena confusão para pegar bebida, tilintei sem querer, minha taça com a da Vanessa.


Tchimmmmmmm....

Quase quebrou.

-Opa! Tim, Tim!

Pedi desculpas, fiz uma piadinha e sem perceber começamos a conversar.

Ela é muito simpática.

- “Eu tenho que voltar! Senta com a gente?”
- Obrigado, mas estou numa mesa ali...
- “Deixa de ser bobo, vem cá!”


Me puxou pela mão.

“Esse é o meu marido...

Claro que eu sabia quem era o Thiago, mas enfim...

...e amor, esse é o...”
- Angelo Morse! Tudo bom?

Thiago me cumprimentou sem nem olhar pra minha cara direito.

Fiquei no vácuo.

Fuon, fuon, fuon...

Nesta mesa estavam ainda:
Vera, Glória, Miguel, Guilherme, Danielle, Danton, Aracy e Neusa.

-“Olá!”
Eles foram mais gentis.

Abre aspas:
Vera é feita de Adamantium.
Fecha.

Eu sei é que ficamos, os dois, por horas, só falando merda e rindo.

Depois apareceram mais atores, mais comidas, mais bebidas...

Num determinado momento, já de pileque, chamei Jaime, o fotógrafo!

Se eu sei o nome dos garçons, num vou saber o nome do fotógrafo?

-Jaime, tira uma foto minha e da Vanessa!?
- “Opa, claro!”
- “Calma, aí! Deixa eu me arrumar pra ficar mais bonita.”
- Como se você precisasse!

Mermão...quando, eu falei isso, o Thiago me deu uma olhada assim de rabo de olho, saca?

Não que ele estivesse se sentindo ameaçado. Foi só coisa de homem.

Eu sei, que mesmo sem ter sido convidado, diga-se de passagem, ele levantou para fazer a foto com a gente.

Bicho...
Quando ele levantou...
O cara não parava de subir...

Parecia Netuno!

“Puta que pariu, que filho da puta mais bonito, da porra!’

Ele estava no auge da fama, devia ter uns 4 metros de altura, uma cara de super homem e ainda era malhado pra caralho!

À medida que ele crescia eu encolhia.

O maluco até brilhava!

Flash!

Ele fez uma carinha de fuinha e a foto ficou assim:

Eu e Vanessa, sorridentes e bêbados e ele todo blasé.

Nessa mesma hora, Daniel, que na época fazia o padre da novela das seis, me pega pelo braço e sai me carregando:

- “Cara, eu amo sua mãe!”

Ele estava visivelmente mais bêbado do que eu.

-Jura?
-“Sua mãe é um espetáculo, uma diva do teatro.”

Realmente, minha mãe fazia teatro quando eu era pequeno, mas daí...

-“Sua mãe é maravilhosa!”
- Poxa, obrigado! Mas de onde você conhece minha mãe?

Ele levanta o copo de cerveja e manda:

- “Meu querido, e quem nesse Brasil não conhece Neusa Borges?”

Eu entendi a confusão dele.

Só tinha ator famoso.

Eu só podia ser filho da Neusa Borges.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Mônica


Estava eu na fila para pagar uma conta do telefone na antiga Telemar.
Deviam ter, mais ou menos, umas 39 pessoas.

Eu era o último!

Um saco!

De repente entra uma mulher bonita, de cabelo preto, vestido azul, sem sutiã, marcando os mamilos e a calcinha.

Só um pouquinho.

O sapato alto fazia a trilha sonora da chegada:
Toc, toc, toc.
No saguão cinza chumbo.

Ela chamou atenção, mas sem ser vulgar.

Numa mão uma conta e na outra uma criança, de uns seis anos.

-“Oba!”

Pensou o inescrupuloso Angelo Morse, babando atrás da moita.

Quando ela chegou perto, deu para ter certeza que era uma mulher bonita.

Uma mamãe balzaquiana, simples, porém ajeitada e firme.

Estilo Nelson Rodrigues.

De covinha e batom.

Scaneando dedos anelares:
- “Zero aliança.”

20 minutos.
É o tempo que eu preciso para ficar íntimo de alguém.
E aquela fila ia durar pelo menos mais uma hora, no mínimo!
Tempo suficiente pra brincar de flertar.
Quem sabe, né?
Homem é bobo.

A regra é muito simples.

Artigo 224.
Se você vai puxar conversa com uma mulher acompanhada de uma criança, é necessário que se fale com a criança antes, demonstrando assim, gentileza, sensibilidade e amor no coração.

E a criança era bonitinha
De xuxinha e tudo.

Reparei que ela era portadora da Síndrome de Down.

- “Acha mesmo contundente fazer esse tipo de comentário?”
- Minichico, a criança tinha Down, só isso!
- “Tá, mas pode soar preconceituoso.”
- Não vai, não! Posso continuar a história?
- “Pode, desculpe”.

Onde é que eu tava mesmo?
Ah! Lembrei!

Aí, querendo demonstrar todo o meu charme com as crianças, segurei na bochecha da menina e dei um... beliscãozinho de mentira, sabe como?

-Que menina mais linda!

Porra...

Sabe armadilha pra urso?

A menininha segurou os meus testículos com a mão direita e apertou.

Svlat!

Eu estava de short, sem cueca.

Na hora fui ao chão.

E a menina não largava.

A mãe desesperada gritava:

-“Mônica larga!”

E Mônica não largava.

A mãe puxava a mão dela e batia.

E Mônica não largava.

Se fosse um cachorro eu teria dado um soco na fuça, arrancado um olho, mordido a orelha.
Sei lá, tinha lutado pela minha vida.
Mas era uma menininha.
Era uma menininha forte, mas ainda sim uma menininha.
Era demoníaca, mas ainda sim uma menininha.

Apertando cada vez mais.

Ninguém tem ideia da dor.

Eu fechei os olhos e pensei:

- “Que jeito estranho de morrer”.

Deitado no chão frio estrangulado pelo saco por uma menina de seis anos.

Faz você pensar...
Quem será que eu fui em outra vida?
Sem dúvida, alguém muito perverso!

De repente, a mãe da Mônica consegue ir tirando dedinho por dedinho. Batendo na garota, claro!

Tadinha, ela chorava muito.

A mãe que eu digo.

Porque a “Possuída” só ria.

Quando a “Crocodila” largou o meu saco eu estava com uma dor...

Não sei por que fui lembrar disso.
Ainda dói quando eu lembro.

Estava fazendo a passagem dessa pra melhor quando um homem de calça de ginástica e tênis pegou minhas pernas e começou a fazer flexão.
Reparei que havia mais pessoas ao meu redor.
Quando olhei para cara do homem percebi que ele estava sorrindo.

- “Pô cara, perdão, mas que loucura!”

Só acenei com a cabeça.

Minha cor original foi voltando e tentei me levantar.

- “Gente, vamos deixar o menino passar a frente!”
- “Paga ali pra ele”.

Uma Vovó pegou a conta do chão, com o dinheiro grampeado e foi direto ao caixa.

E eu zonzo.

Me levaram, ainda corcunda, até a cadeira mais próxima.

Fui melhorando e a respiração normalizou.

- Obrigado senhora!
- “Nada meu filho! Depois do que você passou, tadinho...”

Percebi que ela também ria disfarçadamente.

Na verdade, todos riam disfarçadamente.

Eu até queria rir, mas não dava.

Fui  até a saída, me locomovendo estilo Niemeyer.

Quando eu olho...
Quem está lá fora, na porta?

A Mamãe gostosa e Mônica, a filha do Chuck.

Gelei.

- “Por favor, me desculpe! Não sei o que deu nela, ela nunca fez isso, estou morrendo de vergonha...”

Eu com um ouvido na mãe, e de rabo de olho na garota.

Se ela viesse de novo, dessa vez eu dava um bico.

Foda-se!

Mas tadinha, ela estava toda amuada depois do esporro e dos pescotapas da mãe.

Passei ao lado dela, rezando o pai nosso e fui embora.

Quando cheguei em casa, que era na outra esquina, deitei na cama e ainda com os olhos cheios de lágrimas, contei pra minha mãe.

Ela riu pra caralho e ainda espalhou a notícia.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Conta a do vigário


"Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.”

- “Angelo, eu gostaria que você fosse padrinho da minha filha.”

É sempre uma honra ser chamado para ser padrinho do filho de alguém.

Você não chama qualquer um.

- Puxa, obrigado! Será uma honra!

Maneiro mesmo, rolou até uma emoçãozinha.

Só tinha um problema.

Minha amiga é Católica Apostólica Romana.
O batizado seria daqueles, na igreja, com padre e água benta.

E eu, a única vez que botei um pé numa igreja, duas imagens derreteram.

E olha que era um casamento hein.

- “Você é crismado Angelo?”

Conta uma!

Uma sobrancelha arqueada responde qualquer pergunta.

- “Xiiiiiii...Não deve ter problema, não, né?!”

Claro que não.

E não teria mesmo se fosse em qualquer outra cidade, mas parece que o arcebispo da minha é um pouco mais rígido sobre essa questão.

-“É cumpadre, temos um problema!”

Faltavam 15 dias para o batizado.

- “Fui em várias igrejas, nenhuma está aceita você como padrinho.

A cara dela era de frustração.

Aquilo me chateou.

Mas é a burocracia católica, entendo.

- “Queria tanto que você fosse o padrinho.”

Vou resolver.

-Pode ficar tranqüila, vou dar um jeito!
-“Como?”

Eu tenho vários amigos estranhos:

Se você precisar de alguém pra fazer pole dance na sua festa eu conheço.
Se precisar de um Cazuza na sua festa eu arrumo.
Se precisar de um caixão emprestado, sei quem guarda um em casa.
Ou um engolidor de fogo.
Ou uma professora de pompoarismo.
Mágico.
Médico.
Monstro.
Etecetera e tal.

Então, claro que se eu procurasse bem...

“Palhaço, padeiro, psicopata, papiloscopista...”

“Achei!”

...Eu teria amigo um padre.

Amigo de 20 anos atrás!

Estudamos juntos na pré-adolescência e nunca mais nos vimos.

Como? Se ele não freqüenta bar e eu não freqüento igreja?

Santa internet!

“Olha Angelo, vem aqui na paróquia que a gente conversa melhor.”

Fui lá no dia seguinte.

Eu tenho uma coisa com igrejas...É uma coisa boba, eu sei...
É irracional, mas eu...

Eu tenho medo de igreja, pronto!

Vazia então...

Mas minha futura afilhada merecia.

Cheguei lá, meu padre camarada não estava. Foi rezar uma missa em latim em algum lugar.

Mas tinha outro.

Com a maior cara de padre.

Mas um jeito diferente.

-“Pois não meu filho? O que a igreja pode fazer por você”
- “Qualquer amigo do Padre Sicrano é amigo da igreja!”
- “Padre Sicrano é muito respeitado e querido aqui na paróquia.”

-Então Sr. Padre...

Expliquei para o padre.

- “Senta aí meu filho”

Acendeu um cigarro e olhou bem nos meus olhos.

Logo em cima dele, na parede, tinha uma cruz do tamanho de uma vassoura.
De Jacarandá, se não me engano!

-“Você não é crismado e nem fez primeira comunhão.”

Engoli a seco e por um segundo tive vergonha e medo.

É a igreja católica, né?

Eu sei, eles não enforcam, nem queimam, nem torturam ninguém...

Quer dizer...

-Não, senhor, não fiz!

-“Aí fica realmente difícil!”

Encostou na cadeira e acendeu outro cigarro.

- “Mas você foi batizado pelo menos?”

Acho que se eu falo que não, ele apertava um botão e me catapultava direto para o inferno.

-Batizado eu fui!

Todo feliz.

Ponto pra mamãe.

-“Estou vendo que você é casado, né?”
- Sou sim senhor!

Todo feliz.

- “Pelo menos casou na igreja, claro?”

Puta que pariu, porque eu não tirei a porra da aliança.

Eu casei de terno e sandália de couro, no jardim do meu sogro, minha mulher estava grávida, um psiquiatra fez o casamento que fechou com uma performance de um amigo travesti. E fogos!
Tomei um porre que no dia seguinte fui vomitando do Brasil até Buenos Aires.

Mas foi tudo lindo, outro dia eu conto.

-“Não senhor, não casei na igreja.”

O padre perdeu a compostura.

-“Aí também é demais, você não acha!!!”

Apagou o cigarro de um vez só.

Digamos que por coincidência, o vento bateu a porta nessa mesma hora.

Tenso.

O padre fumacinha encostou na cadeira novamente e já preparava a sentença...

Tive que fazer a meditação Seu Miagi e apelar para o que teria salvado Galileu Galilei.

A mentira.

-Sabe o que é seu padre, eu conheci minha mulher no aeroporto da Espanha, nos apaixonamos e casamos um mês depois.
-Mas o sonho da minha mulher é casar na igreja, o meu também.
-“Aé?”
-“Claro, a gente sabe que sem a benção da igreja católica o casamento não vale de nada.”

Olhei para o meu reflexo numa baixela de prata e nem me reconheci.

-“Exatamente!”

Aí ele se animou.

-“Você é músico?”
-Não, mas trabalho com música.

Trabalho com música...trabalhava como gerente numa boate para 10 mil pessoas especializada em funk.

-“Que tipo de música?”
- Música clássica.
-“Você gosta de música clássica?”
- Meu preferido é Prokofiev

Eu até ouço Prokofiev, ele nem é o meu preferido, mas é o que eu mais conheço caso ele me argüisse de régua na mão.

20 minutos.
É o tempo que eu preciso.

Com o papinho de Prokofiev, ele me mostrou toda a coleção de CDs, me mostrou toda a igreja onde eu ia casar, o salão, o jardim.

Foi lindo.

Na volta do passeio, o bispo e o cavalo voltaram para o tabuleiro.

-“Vamos fazer o seguinte, você faz a primeira comunhão e a crisma e eu deixo você batizar a menina.”
- Quanto tempo dura isso, Padre?

Me imagina de branco fazendo a prova da primeira comunhão?

- “Rapidinho, no máximo três meses!”

Quase joguei o Código Da Vinci na cara dele.

-Puxa vida, padre! O problema é que eu vou viajar para França daqui a 20 dias e se só volto mês que vem. É por isso que preciso batizar a menina o quanto antes. Pra ela não ficar pagã.

Filho de Gepeto.

-“Hummm...Então vem cá.”

Pegou a cruz de madeira da parede.
Fudeu!

-“Você jura em nome da igreja católica que após o batizado fará o curso de primeira comunhão, crisma e se casará na igreja?”

-Sim!

-“Olha lá hein, Jesus está vendo!”

Olhei para imagem gigante de Jesus Cristo acima de nós.

- “Então está certo, está liberado, pode marcar o batizado.”

Cheque mate.

O batizado foi lindo.

Minha afilhada é um anjo.

Mas com certeza tem uma foto minha nos arquivos da Opus Dei.