sexta-feira, 8 de novembro de 2013

A LÍNGUA QUE LAMBE O TRAIDOR



"E para o Judas traidor, a língua foi o chicote do cu."  
Ravengar 2:34 - Velho Testamento

Primeiramente veio o brilho intenso e brilhante ofuscando minha visão por alguns segundos.
Era a geladeira, que parecia mais uma procissão: Só tinha água, luz.
e a imagem de um religioso impresso no rótulo de uma solitária garrafa azul, irresponsavelmente deixada pela metade com a rolha interna, deprimida e náufraga. 
Liebfraumilch,o Romanée Conti de uma época onde vinho se bebia em caneca. 
De repente, pelo vidro da garrafa vi o vulto se aproximando.
Usando a penumbra como lençol, esgueirando-se entre móveis e esquinas, esvoaçante feito um espírito evoluído.
Sua presença seria quase imperceptível, não fosse sua respiração refrescante como a de um predador que se aproxima salivando até a presa.
O ar ficou mais frio, saiu fumaça da minha boca e meu corpo todo arrepiou.

Eu sabia quem era e o que queria.Também sabia que seria muito errado.

Ainda agachado, fechei a geladeira e os olhos, encostei a testa na porta e esperei o primeiro contato, como uma virgem.
Senti aqueles dedos macios deslizando pelas minhas costas seguindo a coluna até que a mão quente repousasse por completo sobre meu ombro esquerdo. 
Não haveria escapatória, eu seria devorado.
Trairia um amigo e queimaria no inferno por toda a eternidade.

- “O que custa?”

Mas tudo culpa do fdp do Cabeça de Bagre.

(FLASHBACK)

- “O que custa?”
- Segurar vela? Custa um milhão de dólares em barras de ouro.

Segurar vela não passa de masoquismo. 
Causa inveja, dor de cotovelo, câncer na próstata e no colo do útero.

- “Poxa, mas nós somos brother...Tipo... Cain e Abel!

C.B era um sujeito do bem. 
Só que ele era... como posso dizer sem ser malvado... Burro! 
Cada palavra proferida por ele era recebida pelos amigos como um tiro de escopeta no cérebro. (Hoje é um ótimo advogado!)

- “Você fala isso só porque eu tive hemorróida na cabeça”
- Seborréia... Cabeça de Bagre... seborréia!

Enfim...

- “Cara... Por favor, essa mulher merece o esforço...”

A mulher realmente era maravilhosa.                                                                     Parecia com a atriz Gabriela Duarte. Tinha até aquele sorriso angelical.
Era simpática, bonita e não muito exigente no quesito intelecto, pelo visto.

- “Então! Ela me convidou para jantar na casa dela para conhecer a família.” 
- Boa sorte!
- “Por favor! Eu juro que não vamos demorar! A gente janta, a mãe dela cozinha para caramba! Faz uma social com a família que ela disse ser super divertida e vamos embora.”
- Porra, Cabeça de Bagre...

Fazer companhia ao amigo que vai conhecer a família da namorada é mais que segurar vela. É plantar bananeira, meter a vela acesa no rabo, deixar escorrer cera pelo saco e enfiar o fósforo quente pela uretra.

- “Por favor, cara, eu disse a Gabi que ia te levar. Estou muito nervoso para ir sozinho. Com medo de falar alguma besteira.
Você pelo menos ajuda, faz piada, brinca e tal...”
- “Todo mundo gosta de você!”

Isso está muito longe de ser verdade, mas eu entendi o que ele quis dizer.

- Tá bom C.B. Eu vou contigo.
- “Te amo!”

Ao tocarmos a campainha, percebi que eu estava nervoso. Suando pela mão como um ator estreante que antes de entrar em cena espia a platéia por trás da cortina, com medo de subitamente esquecer o texto.
Mas foi só Gabriela nos receber com aqueles dentes perolados de quem acabou de fazer limpeza de tártaro, que tudo virou paz.
Ela era realmente apaixonante...

- “Sejam bem-vindos!”

Casa grande, antiga e pouco iluminada, com várias esculturas, quadros, tapetes e duas cacatuas desconfiadas.
Não gosto de cacatua.

Senti um cheiro de Leite de rosas que fez até meu nariz coçar.

- “Entrem! Mamãe está na cozinha e papai está lá no quarto.”

Não teria família divertida nenhuma, só mesmo papai e mamãe.
Cabeça de Bagre mentiu descaradamente.

Tanto que desviou do meu olhar assassino.

- “Bom dia, queridos!”
Se a filha parecia com a Gabriela Duarte, a mãe lembrava um pouco a Regina Duarte, só que numa versão mais para Renata Sorrah.
Falava alto, cheio de trejeitos e anéis... meio sobrevivente do Woodstock.
Deu dois beijinhos junto com um copo para cada um.

- “Tem vinho, cerveja, cachaça e acetona. É só escolher!”

Gargalhou incorporada de uns vinte e dois Sergueis*.

Cabeça de Bagre se assustou, Gabriela enrubesceu.
E eu, fiz o que qualquer ator experiente faria:
Rasguei todo o script que tinha decorado e partir para a improvisação nua e seca.

Não tinha nem jantar, mermão!  Era apenas salame e queijo.

A mãe dela era engraçada. Cagava e andava para as formalidades.
Revelou todos os segredos infantis da filha, envergonhando-a.
Já o pai, velho, broxa e cansado, levantou da cama apenas uma vez. Deu um oi sisudo e perguntou:

- “Regina! O que tem de almoço amanhã?”
- “Língua com batatas.”
- “Eu gosto de língua."

E Seu Mausoléu voltou para o sarcófago da mesma forma que saiu. 
Coçando a bunda cheio de pereba para fora do pijama.
Descobri de onde vinha o odor de Leite de Rosas.

Dona Regina fez piada com marido e continuamos o bate papo e a bebedeira até mais tarde do que deveríamos.
Foi até divertido, até que chegou a hora etílica de irmos embora.
Só que chovia. Muito!

- “Vocês não acham melhor dormirem aqui?”
- Não, não... Muito obrigado, mas nós temos que ir.
- “É cara... não sei não... também acho melhor a gente ficar... Essa chuva não vai parar tão cedo.”
- Vai sim, daqui a dez minutos acaba. Eu tenho que ir.

Fica você, cretino! Deixa eu ir embora, porra! (Disse a ele com os olhos, mexendo apenas a retina.)

O filho da puta do C.B, ganhou um belo pretexto pra dormir na casa da mulher, mas queria me arrastar junto para não pegar mal com o pai dela. Nesse dia ele estava tão recatado que nem beijar a mulher na nossa frente, beijou. Só ficaram de mãos dadas.

- Sério, gente, eu tenho que ir... Beijão, muito obrigado mesmo...

E já fui em direção à porta.

- “Deixa de ser bobo, dorme aqui na minha casa... ”
Gabriela, falando baixinho, segurou-me pelo antebraço e olhou no fundo dos meus olhos, de um jeito diferente, sabe? De um jeito... sei lá! Nem sei se isso aconteceu de verdade.  
É que ela era apaixonante... mas tão apaixonante que eu...

- Se vocês insistem... Vou ficar.

Dona Regina, de pileque, sorriu e puxou a saideira.
Depois arrumou nosso quarto e foi dormir, mas antes lançou, toda séria, uma frase carrancuda na carótida do meu querido amigo Cabeça de Bagre:
- “Nada de fugidinha noturnas! É para dormir mesmo hein!”

E num é que Cabeça de Bagre obedeceu? 
O bichinho apagou na mesma hora.
Já eu não. Virei para um lado, virei para o outro... Levantei, voltei para sala, acendi um cigarro...Olhei para rua, olhei para o corredor que levava aos quartos... acendi outro cigarro. Olhei para o espelho, olhei para as cacatuas, olhei até para a imagem de Jesus Cristo que me olhando de baixo para cima, reprovou meus pensamentos.
A chuva diminuía.

- Droga, droga, droga... que merda eu estou querendo aprontar?

Fui para cozinha sem acender nenhuma luz. No breu total.
Procurava alguma bebida que me botasse no prumo.

Mas se Deus não joga dados, o Diabo brinca de Lego.

Foi só meter a mão na garrafa de vinho que ela surgiu do nada como se eu tivesse esfregado a própria lâmpada do Aladim.

Rezei: - não faz isso, você vai se arrepender, não seja um porco...

Mas ela era completamente apaixonante, mais do que apaixonante, ela era...

DONA REGINA?!

Mermão... a coroa veio toda trabalhada no hobby de patchwork e já chegou apalpando igual revista carcerária.

- Que isso, Dona Regina? Seu marido...

Cheia de fome, lambendo a beiçola feito a bruxa do João e Maria.
- “Deixa de ser bobo, garoto, aproveita!”

Tentei usar a manobra Cumpadi Washington na dança da cordinha pra me livrar da coroa, mas ela sacava mais braços que vilão do Homem Aranha.

Tentando me esquivar, minha cabeça quase derrubou o filtro de barro.
 A centopeia escorou-me entre a pia e a batedeira e adentrou taradona e fervorosa com a língua igual de um tamanduá micareteiro.
- Dona... Dona... DONA...

Só largou assustada quando ouviu o grito que espancou a escuridão feito um relâmpago:

- “REGINA!"

De medo, meu cu fechou feito bolinho primavera.

A voz do Seu Mausoléu veio acompanhada de Leite de Rosas, rouquidão e pigarro.

- “Traz meu xarope, por favor!”
- “Já vou, meu bem!”

Ela se enterrou em seus panos e partiu sem me olhar, um tanto frustrada, um tanto frustrada.

Entornei o vinho branco na garganta de uma vez só:
- Que, que isso! Mentaliza o azul... o azul...

Achei por bem ir embora para casa, mas quando voltei para o quarto, a porta estava trancada. 
Gabi estava lá dentro junto com C.B, meu sapato, celular, carteira, etc.

- C´est très magnifique!

Tive que dormir no sofá ao lado das cacatuas, que não ousaram falar nada, mas cochicharam e riram da minha cara durante o resto da madrugada.

No dia seguinte, na hora do almoço, como se nada tivesse acontecido, todos provaram a suculenta língua da Dona Regina que sinceramente... 
Era boa pra cacete!

CURTIU?

Compartilha com os amigos! Dá essa moral ae...

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

CHICO


Ressuscitei.
O olho esquerdo abriu rangendo feito a porta da Família Addams.
Enquanto oito Dumbos faziam ninho na minha cabeça.
Rastejei para o banheiro desembrulhando o estômago como quem desfaz um origami de mármore.
Fiz cocô preto por conta do vinho tinto e podre por causa do ovinho branco.
Em vez de bochechar o Listerine, engoli.
Escovei os dentes como Super Homem usando creme dental de kriptonita.
Escorando-me pela pia, cuspi seis babuínos, um ainda vivo, fugiu.
Meu reflexo no espelho fazia que não com a cabeça em sinal de desaprovação.
E para piorar, tinha sangue coagulado na porra de um galo gigante no meio da minha testa, que latejava num ritmo de relógio antigo. Sombrio e eterno.

- Onde Diabos eu arrumei isso?

Que fase.

Mas também, tinha sido uma noite difícil.  Fim de namoro é foda, né?
E ainda fui eu que terminei, o que torna tudo um pouco mais complicado.
Não sei se por insegurança, vaidade ou intuição, mas sempre percebi muito antecipadamente quando meus relacionamentos estavam prestes a afundar.

E me aprimorei na maléfica arte do rompimento.

Quer terminar com alguém? Então não adianta ficar conversando sobre os erros do outro. Isso é papo de reconciliação, tentativa e amor.
Terminar é no cutelo do açougueiro, na exclusão do facebook, sem dó.
Mas quando a outra pessoa não aceita, aí não tem jeito...
Só usando a milenar estratégia calhorda de assumir toda a culpa.
É covarde, mas funciona.

- A culpa é minha que infelizmente não sinto a mesma coisa que você...
- “Não tem problema, eu gosto por nós dois!”
- ...mas você precisa de alguém que te mereça...
- “Não preciso, não!”

Dica: Se a pessoa diz que não te merece, acredite nela.

A mulher era mais perseverante que pipoca em boca de banguela.
Eu devia ter imaginado, ela sempre foi meio obsessiva.

Nessa noite, para justificar e convencê-la a aceitar o fim do namoro, falei  tão mal de mim mesmo que fiquei até em depressão.
Me chamei de egocêntrico, imaturo, cretino, canalha, medíocre, safado...
E cada xingamento vinha regado por uma caneca de vinho da casa.
Embebedei-me e afoguei-me numa auto depreciação explícita.
Teve uma hora que o garçom até me abraçou condolente.
Confessei tantos pecados que o próprio Jesus me apedrejaria.

- Tenho certeza que você vai arrumar outra pessoa rapidinho.

Ela cerrou os olhos, passou a mão no paliteiro de vidro em cima da mesa e ameaçou jogar em mim. Dois palitos voaram e bateram no meu peito.

Apelei para o sentimental. Trouxe-a pelo braço para mais perto:
- Lembra quando a gente se conheceu?

Recordo-me como se fosse hoje. Sol forte, calor intenso, 8:34 da manhã.
Eu estava lendo "O Alquimista". De Paulo Coelho. (Sim, e daí?)
Quando ela surgiu... 
Cheia de próclise, mesóclise, e adjuntos adnominais da paixão.
Tremulando no vapor do calor que exalava da areia.
Mesmo desfocada parecia uma linda miragem.

Mantra chinês:
- Sentaki, sentaki, sentaki, sentaki, sentaki, sentaki, sentaki, sentaki...

Ela sentou.
Na minha frente. E olha que tinha bastante lugar em volta.

Infantil e animado, fechei o livro para não perder o grande espetáculo:
Os dezenove minutos que algumas mulheres levam até ajeitar a canga na areia, ficar de biquíni e passar o protetor solar.
O show mais erótico e emocionante da natureza.

Você pode olhar sem ser evasivo e tarado, claro!

De repente ela olhou em minha direção como se ouvisse meu pensamento. Tipo um suricato cheirado.
Desviei o olhar e pus os óculos escuros para disfarçar.
De óculos escuros sou Deus, sem eles sou um mendigo pelado.

Ela pegou um livro na bolsa: "O Monte Cinco", também do Paul Rabitt.
Olha o papinho pronto aí, gente!
Vou mandar uma aproximação baseada no humor e na sutileza.
Se ela sorrir, fechar o livro e mexer no cabelo, é porque se destrancou.
Aí a gente vai casar, ter filhos e morar em nosso castelo nas nuvens.

Mas isso aqui é o Conta Uma, não é conto de fadas. Certo?

Quando dei um zoom mais minucioso percebi que havia algo estranho.
Algo no biquíni branco dela era... vermelho? Ah! Não!
Sim. A moça estava "naqueles dias", de "bandeira vermelha", "incomodada", "de regra", "de chuva", "com a visita do Anysio", eliminando mucosa, etc. 
Parecia que tinha levado um tiro de chumbinho na vagina.

Menstruação é a primeira sacanagem do mundo com a mulher.
Se fosse coisa de homem, já teríamos resolvido com abaixo assinado, com lei, com guerra, com macumba ou na porrada mesmo.
Primeiro que se homem menstruasse todo mês durante cinco dias ia ser uma nojeira só. Iríamos andar vazando sangue pela rua o tempo todo, ia ter guerra de modess nos estádios, vagabundo ia chegar com a mão toda suja de sangue pra pegar a batata frita da mesa, íamos passar na cara do outro. Nunca iríamos trabalhar com cólica... e os ataques de TPM iriam resultar em dor, morte e apocalipse.

Uma salva de palmas para todas as mulheres!

Não sei como a menina não havia percebido sua constrangedora situação, mas ela tinha acabado de voltar da água, então... deve ter vazado. Sei lá!

Pensando em como ajudá-la fiz o que qualquer homem decente faria:

- CHICO!
- “Pois não amigô!”
- Me traz uma cerveja, por favor.
- “Claro amigô! Uma gelada saindo!”

Chico é ambulante há vinte anos da minha praia preferida e me viu crescer.

Ela deitou de barriga para cima com o livro na cara e de pernas abertas. Os joelhos colados, escoravam um ao outro, saca?
Dava para ver todo o estrago. Vergonha alheia.
E aí? Faz como? Avisa? Não avisa? Finge que não viu?

Virei a latinha de cerva e deixei a língua se debater feito peixe fora d`àgua.

- Júlia Monrache?
- “Oi? Não.”
- Calma aí que eu vou lembrar: Veronika Monrache? Joana? Letícia?
- “Não.”
-  Sou muito ruim de nome, mas você é irmã da Roberta Monrache, não é?
- “Também não.”
- Jura? Caramba... qual é o seu nome então?
- “É Brida." (Digamos assim!)
- Brida, me desculpe! É que vocês são muito parecidas e faz muitos anos que não as vejo. Juro que não foi nenhuma cantada barata.
- “Tudo bem.”
- Até porque se eu fosse te passar uma cantada usaria os nossos livros como desculpa, já que ambos gostamos do mago. 

Ela sorriu simpática, fechou o livro e botou o cabelo para trás.
- E mesmo? E você está gostando?
- Sim, só que...

De repente veio uma ventania que carregou seu guarda sol longe.
Ela se levantou para resgatá-lo, mas aí eu tive que detê-la.

- Brida, deixa eu te falar uma coisa... Fica tranquila, eu tenho duas irmãs, sei o que é isso... mas eu acho que você... sem perceber... é... Menstruou.

Mermão...
A mulher arregalou uns olhos de Mangá, olhou para baixo e ficou completamente pálida, puxou todo o ar do planeta para dentro de si e se encolheu feito uma ostra. Achei que ela fosse infartar.
Apertou os olhos como se assim ficasse invisível, pulou em cima do short, calçou a sandália, catou o resto das coisas no tato e saiu na marcha atlética.
Eu ainda fui tentar confortá-la, mas ela, furiosa, me petrificou de longe tal qual uma Medusa.

Um surfista parafinado que lambia um baseado riu da minha cara.
Sem graça, voltei para o meu canto.

- “Amigô!
- Fala aê, Chico.
- “Esse livro é seu?”

Na pressa, Brida tinha deixado o livro cair na areia.

- Chico, te amo!
- “De nada, amigol!”

Peguei o livro e fui correndo atrás dela feito Papa Léguas.
Encontrei-a no ponto de ônibus, mas levei dez minutos falando sozinho esquizofrenicamente até ela finalmente me responder.
Daí a gente se conheceu melhor, nos ligamos e namoramos um tempo.

- Lembra disso?
- “Claro que eu lembro! Foi o pior dia da minha vida.”
- Nem tanto, a história até que é divertida para se contar.
- “Não acho. E além do mais, se era para dar nisso, era melhor que você nunca tivesse cruzado meu caminho nessa vida.”

Levantou-se abruptamente, bateu com o paliteiro de vidro na mesa, pôs a bolsa no ombro, jogou o cabelo para trás e mandou:

- “Babaca!”

Daquela forma, saindo assim da boca de outra pessoa me incomodou.
Devia ter levado o desaforo para casa, estava no lucro, mas sabe como é, né? 
A pessoa bêbada, sem noção do perigo... então... gritei:
- Tem razão! Devia ter deixado você sangrando no sol, igual galinha ao molho pardo.

Minha mediunidade não me ajudou a desviar do paliteiro de vidro que bateu certeiro no meio da minha testa.

E nossa linda história terminou do mesmo jeito que começou. Em sangue.

A partir desse dia, toda vez que conheço uma mulher maluca, minha cicatriz dói. 
É tipo um radar.


SE GOSTOU COMPARTILHA, TÁ?

Ah... E doe sangue, tem muita gente precisando.


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

MULHER KILL BILL


Encontrei uma mulher hoje na rua que vou ter que contar a história dela...

- “Olá, muito prazer!”

Caucasiana de cabelos loiros combinando com olhos rasgados cor de cacau e sobrancelhas grossas.  A cabeça pendia sobre um longo pescoço no qual alguns pelinhos salientes tremulavam arrepiados com o sopro do vento. Corpo esguio e bem articulado, mãos rápidas, pés pequenos, seios yakultianos, pernas honestas, sorriso jovial, nariz de pipoca e nádegas simpáticas.

- O prazer é todo meu.

Durante os pertinentes dois beijinhos cariocas, ela apertou minha mão com uma força não muito comum para uma mulher.

No momento que nossos olhos se fitaram o eixo da terra moveu 0,5 graus para a esquerda e houve um ruído na atmosfera.

Quem nos apresentou foi uma amiga: Felina Pombagira Pato Donald.
(Precisarei pelo menos de uns dez C.U para falar sobre ela.)

Estávamos numa festa e após um bate papo despretensioso percebi que a mulher era bastante descontraída e muito bem humorada.

Humor é a parte da mulher que mais me atrai.
A cumplicidade numa troca de piadas pode ser tão íntima, ávida e prazerosa quanto o sexo propriamente dito.
Já vi orgasmos de gargalhadas em mesas de bar mais intensos quanto os da cama.
Não deve ser a toa que a palavra “gozar” tem os dois sentidos.

- “Vamos fumar um cigarro?”
- Vamos!

Éramos os únicos na varanda, pois estava frio.
Ela acendeu o cigarro olhando para mim:
- “Mas fala aí de você!”

Deu-me uma cotoveladinha no braço que me fez babar a cerveja.
Detesto que me catuquem.

- “Está solteiro, casado ou enrolado?”
- Estou só.
- “Até parece!”

Outra cotoveladinha inconveniente. Percebi que ela era dessas.

- Sério! Solteiríssimo! Na pista! A varejo! Self Service!
- “Ah... nem vem que eu já conheço suas histórias pela Felina...”

Quando ela ia me dar outra cotoveladinha, eu defendi...
... mas ela golpeou no meu rim, com um pouco mais de força dessa vez.

- Tudo mentira ou calúnia da oposição.

Enrijeci dois dedos e espetei sua barriga tal qual um esgrimista.
Ela se encolheu.

- “Com essa cara toda de cafajeste?”

Beliscou meu peito e chutou minha perna.

- Pois é. Só tenho má fama e propaganda ruim.

Fingi que ia chutar na altura do seu rosto, mas apenas dei uma caneladinha de leve, em sua coxa direita.

- “Sei...”
Gingou na minha frente com o cigarro no canto da boca feito o Popeye e tentou acertar meu queixo com um soquinho de direita, mas eu esquivei.

- Na boa, vamos parar por aqui... vou acabar te machucando.

Ela olhou para mim igual aquele loirinho vilão do “Karatê Kid”:
- “Duvido!”

Deu um tapa na minha mão jogando o copo de cerveja no chão.
Numa manobra Mestre splinteriana, devolvi o golpe, tirei o cigarro de sua boca e ainda dei um tapinha na sua bunda.
Aí fudeu...

Caímos num Kung Fu inacreditável e só paramos quando...

- “Tudo bem aí gente?”
Felina apareceu na varanda com a cara vermelha de pileque.

Recompus-me sem graça, ajeite a camisa e baixei a guarda:
- Sim, claro, estamos apenas brincando e...

Aí a psiconinja aproveitando minha distração, deu um soco na minha costela e saiu fazendo careta, rindo:
- “Fraco!”

- Felina, essa menina ...
- “Não quero nem saber, vocês que são loucos que se entendam.”

E desse dia em diante foi sempre assim...

Toda vez que nos encontrávamos em qualquer lugar que fosse, Mulher Kill Bill e eu ficávamos nos espreitando, aguardando disfarçadamente entre drinks, sorrisos e canapés a melhor hora para o ataque surpresa, numa dança tarantinesca que para alguns parecia apenas um baita tesão enrustido.

Com o passar do tempo, nossas lutas foram ficando bem mais loucas e Mulher Kill Bill foi se tornando ousada, cruel, destemida e mortífera.

Numa festa, eu estava voltando bêbado da cozinha com uma garrafa de prosecco na mão e duas taças na outra.
Ela apareceu do nada, jogou-me no canto da parede, pressionando o antebraço na minha jugular.
Usando a tática “Gracie Jiu Jitsu”, derrubei-a no chão, apenas com uma das pernas e com a outra travei seu pescoço com o joelho.
Ágil, ela lançou a famosa “Chave Cicciolina” e me imobilizou.
Como eu estava com as mãos ocupadas, me rendi.

- Ok, essa você venceu.
- “Sempre venço!”

Minha vingança veio meses depois.

Estávamos todos os amigos viajando na casa de praia da Felina.
(O maior reduto de loucos do Hemisfério Sul, incluindo Tia Skol e Vovó Pirada, saudade no plural e infinita na memória.)

Quando de repente... quem chega? Mulher Kill Bill e... o noivo!
Um cara sério, gente boa e famoso no meio artístico.
Chegou na praia de terno e gravata.

Sabia que dessa vez ela ficaria quieta, então na primeira oportunidade que a encontrei sozinha pela casa, escarneci:
- Olha, só para finalizar já que você agora é uma mulher direita...

Dei-lhe um peteleco na testa, virei as costas e ri gargamelticamente:
- Eu sou o Mestre.

Nem terminei a frase e já senti uma voadora endoidecida nas minhas costas me jogando ao chão.
Seria proibida até no Telecatch*.

- Ô maluca, o seu noivo está...

Ela veio para cima feito vilão do Homem Aranha.
Tive que dar uma banda maculelê, mas ela já caiu virada na Edinanci*.
E a porrada estancou.

Eu de sunga, ela de biquíni e todas as pessoas na varanda sem saber que uma luta greco-erotic-romana acontecia na sala de estar.

Praticamente UFC na Banheira do Gugu*.

Para não fazermos barulho, as provocações eram sussurradas no calcanhar da orelha, mas a coisa ficou quente mesmo quando o nó do laço da parte de cima do biquíni se desfez, soltando os yakults
Se ela parasse para amarrar ficaria vulnerável e seria o fim da luta.

Parti para cima, passei a guarda e a prendi pelos pulsos sem chance de saída, crucificando-a no tapete.
Os seios libertos, ofegantes e suados apontavam rígidos e pontigudos em minha direção, como se me acusassem de algo.

Levantei a sobrancelha:
- Quem é o mestre?
- “Sou eu!”
- Seu noivo vai chegar a qualquer momento... Fala!
- “Me solta!”
- Quem é o mestre?
- “Sou eu!”

Dura na queda.

- Então... eu vou morder seus mamilos.
- “Morde.”

Fiquei desconcertado e engasguei a respiração.
Mulher Kill Bill puxou lentamente meu corpo de encontro ao dela e mandou feito uma lacraia sedutora em meu ouvido:
- "Sabe o que eu sempre quis fazer com você?"
- O que?

Mermão...
A taturana me deu uma joelhada no saco que me fez voltar três encarnações, numa delas eu era eunuco.

Nocaute.

Levantou, amarrou o biquíni, ajeitou o cabelo que estava igual ao da Glen Close em Atração Fatal e finalizou:

- “Tststs... Homens são tão bobos... Eu sou a Mestre!”

Deu uma risada de madrasta da Branca de Neve e saiu vitoriosa de encontro ao noivo que estava no quintal junto com o pessoal.

Nem viu a primeira almofada cruzar a atmosfera em câmera lenta direto na sua cabeça.
Quando virou já tomou a segunda na lata e caiu sentada na grama.

Peguei outras duas almofadas, enrosquei as pontas nas mãos transformando-as numa espécie de nunchaku.

Você viu Matrix?
Sem sacanagem, foi uma sequência de trezentas almofadadas numa velocidade de 900 km por hora sem chance de reação.
Ninguém entendeu nada, muito menos o noivo dela que também tomou com uma almofada na cara antes que falasse alguma coisa.
Foi uma surra sem precedentes que entrou para história das surras.
Venci.

Muitos anos se passaram... Nós amadurecemos...  ela casou
e eu fiquei noivo.

Foi num churrasco que nos encontramos pelos freezers da vida.

- “E aí rapaz, tudo bem?
- Tudo bem, e você?.
- “Conheci sua mulher, ela é ótima.”
- Obrigado,  seu marido também. Cadê ele falando nisso?
- “Tá gravando, infelizmente não poderá aparecer.
- Porra, que pena.
- “É... Quanto tempo a gente não se vê, hein? Você acredita que eu ainda guardo uma marca daquela guerra das almofadas?
- Jura? Desculpe! Nós éramos muito malucos, né?
- “Muito... inclusive... espero que sua noiva não seja ciumenta.”
- Por que?

Mulher Kill Bill com aquele olhar de Norman Bates*, entrelaçou os dedos e estalou todos de uma vez só: “PRACK!”

- “Tem dez segundos para se preparar para uma revanche: um... dois...”
- Hahaha... nem brinca...deixa de ser doida... imagina...
“... três... quatro...”
- A festa está cheia de convidados, eles não vão entender...
“...cinco...”

Eu sabia que nada que eu falasse, iria convencer a serial killer.
“... seis ...”

Minha noiva sentada de pernas cruzadas com o quinto copo de caipvodka na mão, só observava minha súplica.

- Amor... eu sei que o que vai acontecer aqui pode parecer loucura, mas é coisa antiga, brincadeira... Tudo bem?
- “Eu tenho que participar?”

....sete... oito ...

- Não.

 “... nove...”

- “ Então fiquem a vontade na loucura de vocês!”

 “DEZ!”

Droga, eu estava velho para isso...

Os amigos dessa vez fizeram rodinha em volta e até apostaram dinheiro.
Mulher Kill Bill e eu nos engalfinhamos de uma tal forma que saímos rolando pelo chão da festa. 
Parecíamos dois filhotes de babuínos enviagrados.
Era soco, tapa, puxão, chupão e pontapé para tudo que era lado.
Churrasco, suor e cerveja misturado com batom e perfume francês.
Homem lutar com mulher é prejuízo. Se você vence é covarde se perde é otário.
Decidi pela covardia.

- Peguei!

Encachei um mata leão e comecei a sufocá-la de verdade.

- Quem é o mestre?
- “..... eu!”

Num bote ela cravejou todos os dentes no meu ombro como se tivesse incorporada por um leopardo da Tropa de Choque.
Nenhum dos dois soltava, apesar dos hematomas e da dignidade e bom senso derretendo no chão quente.
A gente ia se matar de brincadeira.

- “Chega!”
Felina se intrometeu pela primeira vez porque a coisa toda tinha ficado totalmente fora de controle.

- Os dois são Mestres...da loucura extrema, pronto!

E separou a gente de uma vez por todas, por anos.

Exatamente hoje, quase uma década depois, estou passando pela rua e sinto uma lata de refrigerante bater nas minha cabeça.

Era Mulher Kill Bill com as duas filhas no carro. Passou rindo e apontando para o próprio peito, certamente orgulhosa pela pontaria certeira.

- “Eu sou a mestre!”

Isso não vai ficar assim...



Nota: Uma das lutas foi gravada por um cinegrafista amador.
http://www.youtube.com/watch?v=Jpoki4wBwtA

O CONTA UMA É DE GRAÇA E SEMPRE SERÁ, 
MAS COMPARTLHA AÍ COM OS AMIGOS, TÁ?
OBRIGADO!