sábado, 15 de dezembro de 2012

Hermes e Renato




Uma rápida?

Em vários livros que já li, o inferno é descrito praticamente sempre da mesma forma:

Um lugar horrível, repleto de ruídos insuportáveis, odor desagradável, pessoas derretendo, carregando pesos, sentindo dor, medo, humilhação, vergonha, cercados de caras feias, sofrimento, olhos lacrimejantes, gritos aterrorizantes, corpos nojentos e suados, monstros, barulho de ferro, vaidade extrema e luxúria.

Já eu, chamo de academia de ginástica.

- “Amor, vambora!”
- Já vou! Só um momento.
- “Você já se olhou no espelho vinte vezes.”
- Reparou como eu fico bem com esse tênis?

Comprei um tênis de corrida.

- “Tchau! Vou malhar na academia mesmo!”
- Poxa, mas você sabe que...
- “Tchau.”
-... não posso entrar lá.

Não entro em academia.
 Um, dois, três pé de pato, mangalô três vezes!

- Então, tá! Vou correr na praia mesmo!

Gritei para a porta.

Nunca vi muita objetividade em correr se não fosse para pegar o ônibus.
Mas até que correr na praia é legal.
O visual, o clima, o ar quase puro...

Estou correndo no momento.

É engraçado como às vezes a gente passa a vida sem conhecer o próprio corpo, né?
Eu por exemplo, descobri que corro muito bem.
Meu único problema é respirar enquanto faço isso.

Estou cansado no momento.

- “Cansou moreno?”

Nem a voz feminina me fez levantar a cabeça e os olhos, muito menos tirar as mãos dos joelhos.

- Não... eu... só... é só uma dor na coxa.

Mentira! Estava sem ar mesmo.
No dia anterior, a pessoa bebe igual puta de folga.
No outro dia quer correr.
O álcool fermenta, borbulha no estômago e espuma pela boca.

- “Você se alongou?”
- Hummm... não. Mas já está melhorando

Quando comecei a correr, tive que traçar um plano fajuto na minha cabeça, só para me distrair.
Eu descanso, mas se passar um velho ou uma mulher perto de mim correndo, tenho que manter o ritmo deles.

- “Então vamos lá?”

A mulher parou do meu lado e ficou correndo sem sair do lugar, feito um brinquedo de camelô.

Era uma coroa bonita.
Parecia a Vó da Polly.
Com tudo em cima.
Cabelo, silicone e botox.
Toda montada nessas roupas de ginástica.
Vamos combinar que as roupas de ginástica que as mulheres usam é um caso á parte! Diz que não?
O tênis era impecavelmente branco. Novo como se ela tivesse um para cada dia do ano.
A meia grossa, ia até as costas do joelho.
A calça era rosa choque camuflada, rajada de roxo e amarelo, como se a Isabelita dos patins fosse dos Comandos em Ação.
Top preto, toalhinha amarela e viseira.
No braço, o que parecia ser um relógio de maneta, era um marcador de batimentos cardíacos.

- “Vamos moreno?”

Sabe-se lá o porquê, ela simpatizou comigo.
Quer dizer... eu sei porque... sou fofo e charmoso.

Não ia deixar a Vó da Polly, cheia de disposição, tirar uma onda com a minha cara, né?

- Vamos lá!

Ela tinha ritmo e estava a fim de conversar.
Eu tinha gases e só dizia: É!

Reparando as pessoas curiosas que passavam correndo.

Tem aquela gostosona de bunda grande que corre em câmera lenta como se estivesse num concurso de bunda mais bonita da cidade.
E o cara musculoso que jura que faz parte da Liga da Justiça indo salvar o planeta.
O gay apertado na lycra, sem um pêlo no corpo sequer que corre como se quisesse fazer xixi.
O velhinho tarado com torcicolo que nem corre, só quer ver a mulherada.
Tem aqueles que correm tentando alcançar a autoestima.
Tem o suado derretido que corre esbaforido como se um Javali o perseguisse.
Os maratonistas, atletas e lutadores.
E é claro... A maioria que só quer emagrecer mesmo...

Existem pelo menos cinco coisas que emagrecem comprovadamente:
Chifre, doença, sibutramina, crack e corrida.

Melhor correr!

- “Vai subir?”

Han?

- Han?
- “Vai subir correndo?”

Tinha até esquecido da Vovó Polly ao meu lado.

Subir correndo...
No fim da praia tem uma “montanha” gigante que dá num Museu muito maneiro inclusive, em forma de disco voador, criado pelo finado Oscar Niemeyer.

Estranho falar isso... Finado Niemeyer...fi-na-do-Ni-e-mey...
Enfim...

E eu estava de ressaca.
Só queria fazer um Cooperzinho para ficar de cooper feito..
E descobri que não usam mais essa palavra, muito menos a piada.
Foda-se.
Devo nada para essa coroa...
Mulher chata, cheio de fôlego ainda.

- Vou subir não.

E desabei.
Ok... Ela me venceu, deve tomar chá com esteroides.

- “Vamos caminhando então?”

Porra...
Ela parecia uma mistura de personal trainner com aquele pessoal que dá sopa para mendigo?
Estava querendo me ajudar.

- Hummmmmm... É que...
- “Só para gente concluir.”
- Tá.

Subimos o elevado andando.

De repente a porra do bipzinho cardíaco da coroa estava apitando mais que o Wolverine na porta do banco.

- Tudo bem?

Ela foi desfalecendo feito boneco de cera em sauna.

- Xi.....

Esse negócio de ser saudável, às vezes faz mal para saúde.

Sentei a Vovó da Polly no banco.
Conta comigo. Um negro correndo no calçadão da zona sul atracado com uma loira... dou-lhe uma, dou-lhe duas...
Rapidamente várias pessoas apareceram para ajudar com copos d’águas e leques.

Como não sou médico, nem parente, nem escoteiro, nem bonzinho.
Fui embora.

Continuei subindo.
Até comecei a correr de novo.
A vista é muito bonita.
Infinitamente mais prazeroso do que correr em esteira de academia.
Um, dois, três, pé de pato, mangalô, três vezes!

Lá de cima você vislumbra todo o horizonte.
É bem alto.
Seria uma queda e tanto nas pedras se alguém por descui...

Mermão...
Tomei-lhe uma porrada na nuca de algum animal voador...

“PAH!”

Escorreguei e quase caí do penhasco. Quase mesmo!

O cu travou igual discussão de gagos.

- Que porra é essa?

Primeiro achei que tinha sido atacado por um Pterodátilo.
Mas como não tem ninho deles ali por perto...

 Depois percebi que o bicho agonizando no chão, fazendo ruídos estranhos era um avião.

Tal qual o WTC fui atacado por uma porra de um aviãozinho desses de aeromodelismo.

Machucou.

Aí vem descendo o Bin Laden com o controle na mão.

- “Ô, meu amigo, me desculpa!”

Não.

- “Me descuidei.”
- O problema é que eu quase caí, lá embaixo. Tem que tomar cuidado. E se fosse uma criança?

Dei um esporro com minha voz de esporro.

- “Claro, claro... você tem razão.  Qual o seu nome?
- Angelo Morse.
- O meu é Renato, vou te pagar uma água de côco pelo incidente.”
- Não precisa.
- “Faço questão.”

O avião era maneiro, grande, bonito e vermelho.

Renato mexia no aviãozinho com a delicadeza de um ginecologista e a paixão de um Romeu.
Acariciava como se fosse uma criança.

- Graça a Deus, foi só um arranhão na asa esquerda.

E outro no meu pescoço.

- Como funciona?
- “É tudo pelo controle.”
- Hummmmmmmmmmmmmmm...
- “Quer ver?”
- Sim, sim.

Maneiríssimo o aviãozinho mesmo!
Fazia as acrobacias perfeitas e viajava ousadamente por cima da praia.

- Mas vem cá... E se ele cair na água?
- “Não cai.”
- Por que?
- “Porque não. Eu não deixo.”
- É... seria uma merda para pegar de volta.
- “Nem fala.”

E o aviãozinho voando sobre o mar.

- Mas você já viu algum cair na água?
- Nunca.

No momento exato que ele falou isso...

Acreditem ou não...

O avião caiu na água.

- “Puta que pariu!”
- Ih... rapaz...
- “Porra! Que boca!”
- E agora?

Renato sem reação olha o aviãozinho náufrago.
Ia dar um trabalho da porra para resgatar o brinquedo.

Como não sou bombeiro, nem salva vidas, nem amigo, nem bonzinho.
Fui embora.

Desci com um pecador sorrisinho "coringuesco" na cara.

Por via das dúvidas, resolvi correr.


Antes do fim do mundo sai outro.  Divulguem para mim...

sábado, 1 de dezembro de 2012

A TROMBETA DOS ANJOS - COMPLETO - parte I e II



Sempre gostei muito de comemorar aniversário.

Para mim é o meu verdadeiro ano novo!

Eu faço dia 28 de novembro. Sou sagitariano.

O ruim de fazer aniversário no fim do ano, é que assim que o ano acaba, a gente já está um ano mais velho de novo.

Mas tudo bem.

Minhas festas, como é sempre uma concentração de várias pessoas diferentes, e de haver bebidas, a chance de coisas estranhas acontecerem é sempre grande. Várias histórias loucas.

Mas a pior foi quando eu resolvi comemorar apenas com um pequeno grupo de amigos.


- “Se liga, Senhor Pantera!”


(Um dos meu apelidos, um dia eu conto...)


- Fala Manjubinha!

- Vou te dar um toque!

- Manda!

- Mary Bunda disse para Drika que vai te dar um presentão de aniversário nessa viagem.”

- É mesmo? O que?

- “Ela vai te dar!”

- Dar o que?

- “Vai te dar, cara! Vai dar para você!”


Taí um presente fácil, criativo e meigo, que nenhum homem trocaria, mesmo se não coubesse.


- Ela disse isso?

- “Veio para cá com essa finalidade.”


E Mary Bunda era assim mesmo. Quando resolvia que ia dar para alguém, dava sem se preocupar com o que os outros iriam achar. 
Era de vanguarda.

Sua fama era de nocaute no terceiro round: Chave de coxa, surra de bunda e parada respiratória.

Ela era um pouco mais velha. 
E segundo alguns, papo de Comandos em Ação.


- “Vai aguentar, Panterote?”

- Guento, claro!


Na verdade, fiquei mais apreensivo que pobre quando a maquininha do cartão demora a autorizar a transação.


- “Aí... Sabe que a mulher é sobrenatural, né?”

- Eu sei.

- “E tem mais! Vai querer ficar doidona antes.”

- Hummmm...

- “Sua sorte é que o papai sempre estará aqui para te salvar.”

- Estou fora! Se eu entrar nessa sua onda maldita, capoto antes de chegar no umbigo.

- “Estou falando de uma parada nova, Panterote!”

- Que parada nova?

- “Trombeta!”

- O que?


Manjubinha era gente fina, mas era maluco.

Experimentava qualquer coisa por mais estúpida que fosse, só para tentar ficar doidão.

Cheirava acetona... giz de cera...naftalina...

Fumava maconha e orégano com papel de nota fiscal.

Era viciado no cheirinho da gasolina quando abastece o carro, sabe?

Bebia cerveja misturada com cinza de cigarro.

E uma vez cismou que Liquid Paper com vodka dava onda.

Manjubinha era em fatos reais, baseado.


- “É sério, cara! Chá de Trombeta é o que o pessoal do Sana toma.”

- E daí?

- “Brother... É a onda do Woodstock! Coisa de pajé! Ambrosia, meu querido! É o chá dos deuses!


- “Dos deuses igual aquele chá de cocô, né Manjuba?”


Falou nosso amigo Fanfalhoto junto com o resto da patota chegando com a cerveja que saíram para comprar.

Mortiça, Ferrugem, Drika Medusa, Milli Vanilli, Mary Bunda e o falecido Marcos Ballesteros Cavalcante de Albuquerque.


A história do cocô foi assim... (rapidinho, rapidinho)


Manjubinha, há muito tempo atrás, em mais uma de suas ideias geniais e alucinógenas, inventou que todo mundo tinha que tomar chá de cogumelo. Porque, segundo ele, desopilava a mente.

A história já era estranha. Os cogumelos tinham que ter um arco-íris no caule... e só nasciam dentro do esterco... Algo assim.

Eu sei é que ele mesmo colheu uma porrada desses cogumelos.

Só que quando colocou para ferver, um fedor insuportável de bosta tomou conta da cozinha e ninguém teve coragem de beber aquela merda.

Aí, Manjubinha, darksidemente, usou o cachorro do Fanfalhoto como cobaia.

O bichinho passou tão mal que chegaram a cogitar a possibilidade dos cogumelos serem venenosos.


Scooby Doo nunca mais foi o mesmo.

Ficou vesgo e passou a miar.


- “Poxa, mas aquilo foi feito errado! Trombeta é outra parada!”

- “Não queremos saber!”

- “Vão por mim, dizem que é uma experiência transcendental que leva a um encontro sagrado com Deus.”

- Manjuba, meu querido... A última coisa que eu quero para minha vida, hoje, é encontrar com Deus.


As pessoas têm essa mania de querer falar com Deus, né?

Na boa, se eu estou andando pela rua e Deus, do nada, resolve falar comigo...


- “Olá Angelo Morse!”


Mermão...

Me enfarto nas calças.


- “Confiem em mim, estou falando que a parada é dócil... O que custa experimentar?”


Fanfalhoto era o mais engraçado:


- “Aí Manjubinha! Na real? Não quero me meter com fungos, nem com moneras e muito menos com protozoários.

- “Gente... Mas trombeta é só uma flor.”

- Flor?

- “Medusa! Diz para eles”


O pai da Drika Medusa tinha uma floricultura. Ela entendia um pouco de flores.


- “Bom... para falar a verdade, a flor da trombeta é muito bonita e delicada.”


Até aí não diz nada. Susane Richthofen também.


- Tá, mas é comestível?

- “Eu nunca comi. Meu tio usa muito para enfeitar festas.”

- Olha aí...

- ...Mas conheço alguns amigos hippies que realmente fazem chá com ela.”

- “E o que eles sentem?”

- “Bom...Eles dizem que... falam... com Deus.”


A mesma historinha de sempre...


Medusa também era biruta. Esses “amigos dela”, nem eram amigos porra nenhuma e nem eram hippies de verdade. Era só uma galera que morava na rua e passava os dias bebendo cachaça, fumando maconha e fazendo umas pulseiras de palha que ninguém  comprava nunca. Só ela.


- Medusa. Não é porque a pessoa fala sozinha que está falando com Deus. Esquece isso, Manjuba! Vamos beber uma cerveja...

- “Podemos pelo menos pegar uma flor para gente conhecer?”

- Pegar flor onde, cara?

- “Meu primo me disse que atrás da casa tem uma plantação enorme de Trombeta.”

- Eu, sinceramente, não estou a fim não.


Mary Bunda segurou na minha mão e me levantou quase que num feitiço.

- “Vamos lá, Angelinho, estou curiosa...”


Sussurrou sereiamente no meu ouvido.


- Tá bom, vamos lá ver qual é a dessa flor.


Mulher é foda! Por essas e por outras, que a igreja as queimava.

(Ressaltando que sou extremamente contra tal prática.)

E fomos nós para o meio do mato em busca da “planctofone divina.”


Eu adoro o verde, mas sou totalmente urbano.

Fui criado a vida toda na cidade grande.

Minha grama era o carpete, meu morro era a escada e minha árvore o elevador.

O sítio que estávamos comemorando meu aniversário, era tão grande que parecia a floresta amazônica.


- Cadê essa plantação Manjubinha?

- “Meu primo disse que quando a gente visse, a gente ia ver.”


Entendeu, né?


O lugar era realmente muito bonito. E até que a vegetação e aquele aroma da natureza estavam me fazendo bem.

Ainda mais com Mary Bunda piscando para mim e arranhando minhas costas disfarçadamente com as unhas.

Pressenti que em algum momento ela iria nos perder de propósito.

E com a testosterona apitando no saco, já estava andando entre as árvores como se fosse um Avatar.

Eu estava de clava em riste, no meio da floresta, com uma nativa a tira colo pronta para o acasalamento.

Quando me deparei com meu maior inimigo natural.

Um dos animais mais terríveis de toda a galáxia.

Extremamente agressivo e sanguinário.

Ele parou na minha frente e ficou me encarando.

Fazendo um barulho perturbador.

- Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz

Percebi que havia mais dos seus semelhantes na espreita.

Era uma emboscada, sem dúvida.

Recuei cinco passos frente ao animal que me olhava nos olhos.

Como se pudesse sentir o meu medo.

Como se já me conhecesse.

Quando eu tinha cinco anos fui picado por um.

Doeu.


- Está com medinho do maribondo, agora?

- “Maribondo é sinistro, tá!”

- “Deixa de maluquice! Ele só ataca se você mexer com ele.”


Odeio essas frases sem embasamento científico.

- “Pode entrar, meu cachorro não morde!”

- “Se uma cascavel aparecer é só você ficar imóvel.”

- “Tubarão só come você, se sentir cheiro de sangue na água.”


Mermão! No meio do nosso caminho tinha uma casa de maribondo... Não era uma casinha de pau a pique, não! Era um condomínio de maribondo! Devia ter uns dois milhões de maribondos, não... uns cem bilhões!

Era de lá que saíam todos os maribondos do planeta.


- Galera, na boa. Não é preciso ser o Stephen Hawking para saber que não é sensato passar debaixo dessa merda.

Isso deve estar escrito em qualquer livro de medicina ou sei lá, no Alcorão!


Marcos Ballesteros Cavalcante de Albuquerque era o mais rural.

Subia em coqueiro e o caralho.


- “Deixa de palhaçada, Panter! Olha só...


E passou.


- Viu?


Filho da puta...


Aí os outros homens se sentiram no dever de passar também.

Todos passaram.

Inclusive as mulheres e o gay.


- “Vem Angelinho!”

- Droga...


O pior é que eu teria que passar duas vezes, né?


Quando resolvi tomar coragem, alguns maribondos ficaram mais exaltados e me rodearam. Tipo gangue.


- Eles sentem cheiro de preto, gente! Esse bicho é racista! Estou falando!


De repente, não mais que de repente, um dos animais alados peçonhentos, sorrateiramente dá um zumbido estranho por trás do meu ouvido, raspa no meu pescoço e entra na minha camisa.


Fiz o que qualquer Crocodilo Dundee, faria:

Corri para caralho, estapeando o pescoço várias vezes.

Gritando em falsete, feito travesti que toma calote na madrugada.

Sim, foi um pouco exagerado. Foi.

Foi viril? Foi sexy?  Foi másculo? Não.

Mas eu tenho medo de maribondo.

Maribondo é sinistro, tá?


Uma hora depois volta a tropa com um buquê de flores de trombeta na mão, e mil zoações pelo ataque de pelanca que eu dei, claro.


- “Parabéns para você, Senhor Pantera!”


A flor era mesmo muito bonita, branca, cheirosa e delicada.


Mas só tinha uma que estava aberta.

Todas as outras estavam fechadas e completamente verdes.


- Porra, vocês mataram esse monte de flor só de sacanagem?

- “Não. Nós resolvemos que vamos experimentar o tal chá.”

- Vocês estão de sacanagem.

- “É um chá! Que mal há de fazer?”

- Tem chá que causa aborto, sabia Majubinha?

- “Você tá grávido?”

- Mas vai fazer o chá só com uma flor? Porque as outras estão verdes!


Foi aí que Milli Vanini disse sua famosa frase com uma flor em uma mão e a outra na cintura:


- “Gente! São verdes, mas são flores.”


Praticamente Clarice Lispector.


Chá é chá, né? Que mal há de fazer?

Tacamos tudo na panela com água quente.

Por conta da forte concentração de clorofila ou sei lá o quê, o que deveria ser um chá, estava mais para um caldo de cana com aveia, de tão grosso.


Por segurança. Só metade do pessoal ia tomar.

Eles botaram um pouquinho no copo e bebericaram.

Mais receosos que periquito em suruba de urubu.


- Ué? Vocês não queriam tomar essa merda? Agora toma feito homem!


Como um viking, enchi um copo duplo com o líquido esverdeado e lancei para dentro de uma vez só.


E foi coisa mais estúpida que eu já fiz em toda minha vida.


Os outros beberam apenas alguns goles e vomitaram tudo na hora.


- Fracos!


Disse eu, do alto da minha ignorância e inocência jovial.


- Eu não estou sentindo nada!


Uma hora depois, o máximo que me deu, foi sono. Muito sono.

Ao me levantar da rede para ir para cama, percebi que meus pés estavam pesando 50 quilos cada um. Uma força magnética me puxava para baixo.

Fazia uma força herculeana para caminhar.

Como acontece nos pesadelos, saca?


- É... confesso que agora estou me sentindo um pouquinho estranho.


Desmaiei e adormeci no sofá.

Por dois minutos.

Exatamente o tempo necessário para a bruxaria maligna do chá fazer efeito.


Mermão... se era para falar com Deus caiu no ramal errado.


O teto se contorcia, o chão trepidava e as luzes mudavam de cor.

Não me pergunte como, mas eu atravessava paredes.

Tentava falar com as pessoas, mas não sabia o idioma e ninguém falava o meu.


Mortiça, Mary Bunda, Fanfalhoto e Manjubinha tinham vomitado a magia toda, e mesmo assim, entraram numa mesma onda infantil  parecendo crianças loucas, que engatinhavam pela casa.


Mas eu só fui saber disso no dia seguinte. Pois nesse momento eu estava muito ocupado perseguindo uma lagartixa, que virou um espanador, que virou um circo que virou uma bola de gude, que voou para bem longe.


Fiquei horas batendo papo com uma Carranca.

Comendo e bebendo comidas imaginárias.


De repente uma sombra gigantesca, surge por trás de mim.

Escuto uma voz trepidante, igual quando você fala de frente para o ventilador. Já fez isso, né?


 - “Angelooooooooooooooooooooooooooooooooo!


- Puta que pariu é Deus! Puta que pariu é Deus!


Porra nenhuma!

Era a Zebrinha do Fantástico com uns trinta metros de altura!!!

http://www.youtube.com/watch?v=xgApw5VG_00

Mermão... A onda do chá é muito ruim.


Lembro de ter corrido da Zebra demoníaca para dentro de um milharal, nadado num balde de gelo, pisado em escorpiões, me escondido em fendas...isso tudo sem sair da sala.


12 horas depois eu comecei a voltar para a realidade...

Foi quando as coisas começaram a piorar.

Tudo desaparecia da minha frente.


Alucinações sinistras.


A galera que não tinha bebido o chá, já tinha posto os “adultos – bebês” para dormir. Eu era o único que estava dando trabalho. Perambulando por toda a casa feito um zumbi trincado.


Jogaram vários baldes de água gelada em mim e nada.

Tapa na cara e nada.

Comi cerca de umas dez pimentas malaguetas do pé, como se fossem uvas.

Sobrenatural.


Quando viram que o negócio era sério e digno de preocupação, fizeram o que qualquer grupo de amigos sensatos faria:

Cataram uma bíblia e começaram a rezar...

- “Pai nosso que está no céu...”


Foda, né?


Depois de muito tempo, atordoado... Eu dormi.

Acordei de manhã deitado em cima daqueles enormes reinos de formigas saúvas, saca?

Detalhe, sem nenhuma picada pelo corpo.


Com Mary Bunda me vigiando de olhos arregalados.

Disseram que eu exigi que ela ficasse ali ao meu lado.


O poder do maldito chá é tão forte que só comecei a enxergar normalmente duas horas depois.


Bad Trip total.


Assim que eu ganhei força...


- Cadê o desgraçado do Manjubinha?

- “Está se escondendo de você.”


Achei Manjuba dentro da dispensa encolhido.


- Você falou com Deus cretino?

- “Não, não falei... Mas eu comi um sabonete.”

- Sabe que eu vou fazer você ir lá atrás cortar aqueles pés de trombeta agora mesmo, né?

- “Sei.”


E ele foi. Destruiu e tacou fogo em tudo!


Impressionante como uma flor pode ser tão perigosa como droga e não é avisado.

Você conhecia?


Por força do destino, cada um foi tomando rumo na vida e esse grupo se desfez.

Quinze anos depois, encontro com Manjubinha.


- “Angelo Morse! Tudo bom, meu amigo!”

- E aí Manjuba! Quanto tempo!

- “Carlos!”

- É verdade... Carlos! Foi mal, cara, tinha até esquecido o seu nome verdadeiro.

- “É que aquele Manjubinha que você conheceu faz parte da minha outra vida.”

- Claro! O tempo passou para tudo mundo. Mas o que você tem feito de bom?

- “Eu, com a graça do senhor, aceitei Jesus no meu coração.”

- Hummmmmmmmmm... Que bom... A gente se vê então!

- “Calma aí! E você? Ainda está nessa vida mundana?

- Bom... Eu vivo no mundo, então pode se dizer que estou.

- Gostaria de ouvir um pouco da palavra de Deus?

- Manjubinha... Vai para puta que pariu, porque da última vez, foi com esse papo que você me fudeu!


Ah... E depois eu tive a tal experiência com Mary Bunda... Mas isso... acredite... é uma outra história.

Depois eu conto.