quarta-feira, 24 de julho de 2013

CAIPORA


Para falar a verdade eu nunca gostei muito de sair sexta feira.
Sei lá, por vários motivos: Tem sempre muito homem bebendo de terno e gravata no calor de 300 graus e isso me dá um pouco de agonia.
O planeta todo sai para beber nesse dia e por conta disso os melhores bares ficam lotados e sempre rola uma concorrência carnívora para tentar conquistar uma mulher. A pessoa trabalha a semana inteira e ainda tem que, no último dia, esgotado, se esforçar para ficar atraente.
Cansa.
Gosto mais da noitadadinha do sábado, do churrasquinho do domingo, o brinde ao futebol da quarta e até mesmo aquela cervejinha despretensiosa da segunda.
Inclusive, segunda feira sim é o melhor dia para se tentar conquistar alguém num bar.

- “Partiu chopinho!”
- Poxa, Peperone, até queria, mas estou muito cansado, morrendo de calor, esse terno está me matando, estou doido para tomar um banho e me jogar na cama.

- “Foda-se!”

Um “foda-se” bem dado não cabe argumentos.

- Um chopinho só?
- “Claro!”

Nunca na minha vida eu tomei um chopp só.
Geralmente já começo com quinze.

Peperone foi um grande amigo de trabalho. 
O seu terno era impecável. Ele usava como se fosse um uniforme do Batman.
Nunca tirava o paletó e nem me deixava tirar por nada desse mundo, nem quando o segundo sol da Cássia Eller rachava em nossas cabeças.
Para beber então...

- “Mulher gosta de homem terno, rapá! Vai por mim”
- Porra, eu gosto de mulher de cinta-liga, mas não vejo nenhuma vestida assim.
- “Pense que você está bonito.”
- Aff...
- “Ao invés de reclamar, saca as duas gatinhas na mesa atrás de você.
- Onde?
- "Olho de iguana, olho de iguana..."

“Olho de iguana”: Você olha para pessoa sem olhar, nem virar a cabeça.

- “A ruivinha não tira os olhos de você.”

A mulher não era ruiva. Só tinha pintado o cabelo vermelho Wellaton, parecia a Caipora do Castelo Rá-tim-bum, mas era gostosa, estava valendo.
A outra era um pouco mais cheinha e bem sexy.

Quando a gente se virou para o ataque soviético, a Cheinha já mostrava os quatro cisos para Peperone, enquanto a "ruiva" piscava para mim.

Piscava intensamente. Piscava muito, sem parar.
Na verdade, não fazia parte da paquera, ela tinha um tique nervoso no olho.

Sussurrei pelo cantinho dos lábios, sorrindo:
- Você sabia que ficar piscando os olhos assim sem parar é sintoma de burrice?
- “Cala a boca!”

Sentamos na mesa das meninas e começamos o jogo.

Eu tenho síndrome do espelho, em cinco minutos de conversa já estava piscando para caralho também.

Num lampejo de ousadia, tirei o paletó e coloquei na cadeira.

Peperone chegou a ficar esquálido. Ele levava essa coisa de terno a sério mesmo. Dizia que tirar dava azar e tudo mais.

Quando fui me desfazer da gravata, os olhos dele se arregalaram tanto que desisti da ideia com medo de ser esfaqueado.

As meninas eram quietinhas e agradáveis.
Às vezes gargalhavam cúmplices de uma forma angelical.
Mamãe ia gostar delas.

- “Vocês vão entrar na Boate Tal?
- Oi?

A Boate Tal (Nome fictício) era uma boate onde só as mulheres entravam primeiro, bebiam muita caipirinha de graça e um tempo depois os homens podiam entrar. Nesse meio tempo rolava clube das mulheres com aqueles homens saradões, “machos”, untados de óleo, dançando nus fazendo a alegria das meninas.
Depois isso virou normal, mas na época era inovador.

- “Vamos?”
- Sei não...
- “Ah... é legal.”
- Bom, até chegar a hora da gente entrar, resolveremos.
- “Ok. Estaremos esperando vocês dois.”
- “Nós vamos com certeza!”

Sentenciou Peperone com o martelo de Thor na mão.

A gigantesca fila indiana de mulheres na porta da boate realmente chamava atenção.

- “É hoje, meu querido! Capim balançou, pau na preá.”

Eu queria ter a visão do Superman só para ver que parada estava acontecendo lá dentro. Era putaria de mulher.

Quando finalmente chegou a hora de nós homens entrarmos...
Mermão...

Tinha mulher rastejando pelo teto, mulher se atracando com lixeira, mulher cravejada no garçon feito o Blanka do Street Fighter, mulher rodando no ventilador, mulher imitando siri, mulher chupando corrimão... Enfim.

Quando elas se deram conta da presença dos homens, todas olharam em nossa direção feito hienas passeando as línguas babadas nos caninos pontiagudos.

- “Rapá... Que cheiro é esse?”
- Feromônio, cachaça e limão.

Na escuridão da boate eu só via neguinho desaparecendo do nosso lado e escutava o barulho dos ossos sendo mastigados.

A mulherada estava louca.

Fui no balcão comprar cerveja e de repente dou de cara com quem?

(Lembrei da cena direitinho como se fosse ontem...)

Caipora
O cabelo parecia um pica pau atropelado. O rímel escorreu, misturou com o suor e desenhou um tribal na bochecha.
A roupa parecia que tinha acabado de cair na piscina.
Andava com a desenvoltura do Jack Sparrow*.
Lançou-me um olhar de Uma Thurman em Kill Bill*... raspou a espada na parede até sair centelha e mandou:

- “Achei você... Chokito.”

Engoli a seco e sorri meio sem graça, feito uma galinha prestes a pôr o primeiro ovo.

- É...você est...

Quem olhasse de longe jurava que era luta Greco romana.
Voracidade.

Precisei rasgar o carpete da parede com mas mão para conseguir me soltar e sobreviver.

Olhei para cima vejo uma mulher voando levando um homem pelas garras, feito um pterodátilo.
Era a Cheinha, mas a presa não era meu amigo Peperone.

Após o princípio afoito, depois de um tempo, as coisas na boate foram tomando um rumo mais calmo, mas não menos caliente.

De repente aparece Caipora se derretendo igual sorvete no asfalto.
A cara já estava igual a dos integrantes do Kiss.
- “Quer ir para outro lugar, Chokito?”

Antes dela acabar a frase, a comanda já estava paga na minha mão e eu já tinha chamado o táxi.

Na porta da parada, quando foi rolar um beijinho mais romântico.

- PAH!

Caipora deu uma soluçada tão forte que bateu violentamente dente no meu dente da frente.

Doeu de sair sangue.

Ela não conseguia nem se desculpar de tanto que soluçava.
Ininterruptamente.

Parecia realmente uma entidade da floresta.
Soluçava, piscava e chorava.

Bebe água, bebe Coca, bebe desgraçada!  
- “Soluça!”
Bebe no copo virado ao contrário.
- “Soluça!”
Vira cambalhota numa perna só.
- “Soluça!”

Colei um chumaço de papel higiênico na testa dela, mas nada adiantava. A menina ia morrer de tanto soluçar.

Até que um senhor bem velhinho, passando na hora, me ensinou um feitiço que seria usado por mim durante toda a minha vida e que agora passo para vocês:

- “Manda ela prender a respiração e engolir três vezes consecutivas sem soltar o ar.”

E não é que a macumba deu certo?
- Muito obrigado senhor...

Cadê o velho?
Sumiu. (Deixa quieto essa parte da história)

O táxi chegou, mas a menina estava tão arrasada que o máximo que ela iria dar para mim seria aporrinhação.

Por sorte, a amiga dela Cheinha saiu da boate na hora.
Com os órgãos da face todos trocados igual o Sr Cara de Batata montado por um epilético.

Coloquei as duas para dentro do táxi e partiram.
Cara.. foi só bater a porta para um jato de vômito disparar de dentro da janela.
Eu contei dois pastéis, trinta e sete pedaços de frango a passarinho sem cebola, uma cabeça de Hello Kitt e meio frasco de Yakult.
Bateu no chão e saiu até fumaça.

Se eu não fosse Chico Xavier teria sido fatalmente atingido na cara.

E de dentro da maligna boate, vem surgindo uma silhueta dos infernos. Caminhando torredepisamente, com dois chupões no pescoço, peito arranhado, camisa rasgada e de braço dado com duas gárgulas completamente alcoolizadas e trôpegas.
As três cabeças juntas lembravam o mitológico cão Cérbero*, cão vigia do reino subterrâneo dos mortos.

 Peperone além de embriagado, estava completamente desolado.

- O que houve cara?
- “Uma tragédia."
- O que?
- "Perdi meu paletó!”

Aí eu disse a frase que qualquer amigo confortador diria:

- Quem mandou tirar?


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