quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A Barbie Mendiga



Em doses mais altas, o álcool é prejudicial ao ser humano e pode causar  estupro.
Quer dizer, es-tu-por, que é um estado de consciência ou sensibilidade apenas parcial ou insensibilidade acompanhada por pronunciada diminuição da faculdade de exibir reações motoras

Para quê fazer medicina se a gente tem o Wikipédia, né?

Bom, o fato é que ela tinha uns vinte e poucos anos.
Pelo semblante devia fazer aniversário em dezembro.
Tinha cabelos loiros que acalentavam seus ombros desnudos.
Seios joviais e úmidos como botões de flores de esquinas.
Olhos amadeirados e lábios cor de rosa que suplicavam em serem tocados.
Dentes brancos feito tic tacs, braços longos e finos e mãos de pianista.
Para completar... uma bundinha de pastel de queijo.

Agora pega tudo isso e passa com um caminhão de cerveja em cima.
VRUMMMM!
Mais uma vez, de ré.
VRUMMMM!
Desce do caminhão, pega um engradado e taca nos cornos dela.
BUM!

Então, assim era a mulher.
A Barbie Mendiga.

O rímel escorrido pela cara dava todo um toque Halloween.
O pé estava da cor do pé do Negrinho do pastoreiro.
E o calcanhar parecia de um amassador de cacau.
O vestido, bonito e caro, fora rasgado provavelmente por uma cerca de arame.
O joelho ralado pelo asfalto minava gotículas de sangue e piche.
A sandália alta parecia que tinha rodinhas.

Estava completamente perdida na terra como se tivesse acabado de ter sido expulsa do céu pelas próprias mãos de Deus.

E eu de terno, óculos escuros, tomando um Toddynho no sinal.

Olhei o meu mini computador de bolso que tem funções de celular:
Segunda - 06:23 AM

- Malditos jovens solteiros, sem filhos e sem contas!

Confesso que mesmo vendo o estado deplorável que a menina se encontrava, bateu uma inveja da irresponsabilidade dela.

A Barbie Mendiga ouviu meu pensamento.

Com a cabeça ainda baixa, ela levantou os olhos para cima, por dentro do cabelo, em minha direção no melhor estilo: Samara do “O chamado”, saca?

- Ô, ô.

Desviei o olhar. Não quero confusão.

Ela veio toda mamulenga em minha direção, tentando andar em linha reta. Com os pés de Curupira, ficava difícil.
Andava numa corda bamba imaginária, a bêbada equilibrista.

- “Moço!”

De moço para tio passa rapidinho. Sabe disso, né?!

- “Me ajuda?”

O sinal ficou vermelho e eu não fui.

- Pois não?
- “Estou muito perdida!”

Disse isso choramigando, soluçando e rindo ao mesmo tempo.
Tirou o cabelo da cara e tentou usar a arma mais poderosa de uma mulher: 
O charme.

Mas com aquela maquiagem toda borrada, o sorriso dela tomou um ar insano, igual o do Coringa.
- Onde você mora?
- “Eu estou na casa da Joana.”

Disse tropegamente.

Essa é fácil. A casa da Joana fica depois da casa da Roberta, esquina com casa da Sueli ao lado da casa da Fabíola.

- Se concentra! Onde a Joana mora?
- “Joana mora...ic!..ela é minha amiga...ic!...eu estou com ela.”
- Cadê ela?
- “A gente estava juntas na festa! Mas ela...ic!... sumiu.”
- Cadê seu celular?
- “Perdi.”
- Você lembra onde era essa festa?
- “Na Barra da..ic!”
- BARRA DA TIJUCA? Porra! É muito longe daqui! Como é que você veio para cá?
- “Hummm... Não lembro.”

Não posso julgá-la. Já acordei várias vezes em casa sem saber como tinha chegado.
Uma vez eu peguei o mesmo ônibus quatro vezes até o motorista me colocar num táxi.
O taxista me deixou na porta de casa e passou no dia seguinte para receber a corrida.

Jovens... Só fazem merda.

- “Moooooooooooooooooooooooooooooço!”

O bafo maligno de álcool inverteu os pêlos da minha sobrancelha e queimou alguns dos meus cílios.

Identifiquei os odores de cerveja, tequila, whisky, blue curaçau, leite condensado, vômito, sêmen, orégano, carne moída...e pimenta calabresa.

Meu olfato é canino.

- “Me ajuda!”
- Estou tentando, calma! Olha para mim.

Segurei no queixo dela com firmeza, que me encarou de forma sagitariana.

- Presta atenção...
Expliquei passo a passo, onde ela estava e dei até as coordenadas de latitude e longitude.

- “Agora tenta lembrar onde sua amiga Joana mora.”
- “A...Joana?”
- É.
- “Ela...”
- Sim.
- “...ela...ic...sumiu da festa!”

Segunda, 7:01
 E eu já estava atrasado.

- Quer uma Coca?

Coca Cola é remédio e não refrigerante.  Isso nem a Madre Tereza de Calcutá me tira da cabeça!

Ficamos lado a lado no posto de gasolina numa cena digna de um pôster de filme do Woody Allen.

Uma loira bêbada e um negro sóbrio de terno, em plena zona sul, quem olhava jurava que eu era pastor evangélico tentando salvar uma alma perdida.

Demorou mais ela fez o que todo bêbado uma hora faz:
Começou a chorar.

Mulher chorando é meu ponto fraco.
Custou R$ 30,00 para tirar as manchas e o fedor do paletó.

Se fosse um mendigo de verdade não tinha nem chegado perto, a verdade é essa.

Era uma merda.
Aquilo não tinha nada a ver comigo, estava atrasado e nem conhecia a menina...
Nem bebido com ela, eu tinha.

Mas Saint Exupéry..."Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas...

Droga.

Não sabia o que fazer.
A menina estava suja e alcoolizada, mas dava para ver que era bem cuidada de berço. Classe média ou classe alta.
Não podia entregá-la para... sei lá... a polícia militar.

(NOTA PARA OS LEITORES JOVENS: Isso aqui é um blog de humor. Na verdade, toda vez que estiverem em apuros, procure sim um policial, pois eles estão aqui para servir e proteger.)

- Olha menina, eu realmente não sei...
- “Lembrei o endereço!”
- Jura? E qual é?
- “O nome eu não sei, mas é no começo dessa Avenida, ao lado do MC Donald's”
- Tem certeza?
- Tenho.

Dava uns oito quarteirões até lá.

Com aquele equilíbrio de ovo em jangada, a maluca não ia chegar lugar nenhum.

Fiz o que todo cavaleiro faria...
Parei um táxi.

- Amigão! Você pode deixar essa senhorita em frente ao MC Donald's, por favor?

Peguei a única e solitária nota de dez reais que eu tinha na carteira e dei pra o taxista que parecia o Zagallo.

E meteu a cabeça para fora da janela:
- “Muito obrigado, você é um amor!”

Me deu uma bitoca na bochecha que mesmo infectada, ficou corada.

O sinal abriu e o táxi partiu.

Despachei o ebó.

Só que...
O táxi parou na próxima esquina.

- Ai caramba...

A Barbie Mendiga saiu do carro e parou na porta de um prédio. 
O taxista picou a mula.

- Puta que pariu. É hoje!

Arqueei a sobrancelha e fui me encaminhando até lá.

Só que maluca entrou no prédio direto e subiu.

Quando cheguei no prédio, toquei o interfone e falei com o porteiro:

- Bom dia!
- “Bom dia.”
- O senhor conhece essa menina que entrou aqui nesse minuto?
- “Conheço desde criancinha.”

Não queria perguntar, mas...

- Qual o nome dela?
- “É a Joana...do 612.”

Odeio Conta Uma de manhã...

sábado, 6 de outubro de 2012

50 tons de cinza


Desde que minha mulher devorou, feito uma hiena, o famoso e badalado livro: “Cinquenta tons de cinza” que ela vem ficando mais...ousada.


Tanto que me encheu o saco para ler também, insistindo que teríamos que fazer todas as peripécias do livro.

A última vez que li algo tendo que repetir tudo que o autor pedia, foi "Diário de um Mago", do Paulo Coelho, que conseguiu com que eu me transformasse numa árvore.

Eu sei, também não tenho orgulho disso.

Confesso que comecei a folear o tal livro de romance-mulherzinha-erótico que causou furor uterino em tantas fêmeas ao redor do planeta.
Eu realmente me interesso por tudo que mexe com a psiquê e com o comportamento feminino.
Acho mulher um animal tão interessante...
Depois que tive uma filha, que nada mais é do que uma mulher filhote, fico cada dia mais curioso.

Já no começo do livro a gente percebe a diferença de objetividade narrativa para ressaltar os dotes do protagonista.
A autora leva cinquenta páginas para fazer você entender que o cara é gostoso, rico e charmoso.

Se fosse um livro de homem, o autor só precisaria de uma frase:
- “A mulher é muito gostosa!”

Por falta de tempo, mesmo com os apelos da minha mulher, não terminei o livro.
Nesse meio termo, ela já leu o segundo volume e está ansiosamente na espera do terceiro.

Tanto que resolveu me narrar o livro ela mesmo.

- “Se prepara, Senhor Grey, sexta-feira você será só meu!”

Ih! Rapaz...
Me animei, claro! Afinal, casamento é como uma empresa. O sucesso depende do empenho de todos.
Porque a falência está sempre na espreita, espiando pela fresta da porta.

- Oba! Para onde nós vamos?
- “Deixa comigo!”

E ela pensou em tudo.

Resolveu nossa filha.
Deixou a menina de mala e cuia para dormir na casa da professora.
Tudo bem, que minha filha é um anjo de candura, as pessoas quase se estapeiam para tomar conta dela.

Foi no salão de beleza.
Ficou loira, pintou as unhas e mexeu até na menina dos olhos.
Tomou um banho cleopátrico e saiu esvoaçante do quarto.
Pronta para matar.

Que medo.

Eu fui na onda e fiz o que qualquer macho másculo e sexy faria.
Amolei o pau na pia e peguei meu anti-alérgico.
Caso a cama do motel me desse uma crise de espirro.
Sou alérgico a ácaro.

- “E aí, Senhor Grey, vamos para nossa noite especial?”
- Vamos!

Estamos saindo de casa, escuto um ruído agonizante.
O aquário estava em polvorosa.
Gertrudes Geruza, minha rã albina de estimação, estava tendo um infarto fulminante.
Olhando nos meus olhos ela se contorceu, tremeu e faleceu.

- Puxa vida.

A mulher carnívora, sem compaixão, bateu com o salto agulha no chão:
- “Vai dizer que você vai querer enterrá-la justamente agora?!”

Se fosse um cachorrinho ela não falaria assim.

- Não, tudo bem, faço isso amanhã.

Vamos cuidar da perereca que está viva.

Mas antes, tinha um aniversário de uma amiga dela, no qual passaríamos para tomarmos uns drinks.
Assim que chegamos no local, peguei a bolsa dela para juntar com as minhas coisas.

Percebi que a bolsa, apesar de pequena, estava pesada para caralho.

- O que tem aqui dentro?
- “Segredo.”

Deveria ter lido o livro antes. O cara sobrevive no final?

Fui abrir para xeretar, mas ela não deixou.

- “Deixa isso aí!”
- Ok, ok.

A conta chegou exatamente à meia noite.
Junto com um telefonema.

- “Minha filha, você está onde?”
- “Estou num barzinho...”
- “Onde?”
- “Aqui perto de casa e...”
- “Estou chegando aí.”

E desligou.

- “Caramba, aconteceu alguma coisa!”

Meu sogro daria uns oitocentos e setenta mil Conta Uma.
Para ele atravessar a ponte naquela hora, do nada, só para ver a filha poderia significar infinitas coisas.

Desde um problema muito sério até uma simples saudade.
Ele é doido.

- “Ai, não...E agora?”
- O pai é seu.
- “Pai a gente não escolhe, mas sogro sim.”

Meu sogro tem um visgo que sai dos seus dedos.
E tal qual uma aranha, ele vai tecendo uma armadilha para te prender.
Sentou para beber com ele, vai ficar preso. Sem dúvida!
Lembra daquele ursinho que terminava o comercial das pilhas Duracell batendo o tambor eternamente?
É ele!
Impossível de derrubar no copo, no cansaço ou no tiro.                     

Esperamos num barzinho na esquina de casa.

A Mulher Degradê desolada...
- “Não acredito! Logo hoje nos meus cinquenta tons de cinza!”
- Amor, calma. A gente descobre o que aconteceu, se não for nada demais, batemos um papo com ele e dizemos que temos compromisso.

O plano era mais furado que cueca de mendigo.
Meu sogro é impertinente.

Chega ele todo sorridente igual o Tony Blair.
- “Minha filha! Você está linda!”

Bom, ficamos aliviados, pois de cara percebemos que não havia problema algum.

A Mulher Degradê segurou a bolsa e se animou:
- Ainda temos chance!

Meu sogro é gente boa, batemos um papo e já estávamos nos preparando para catapultá-lo quando...

Mensagem no telefone. 02:00

“Desculpe a hora, mas ela não quis dormir até agora e está chorando pedindo vocês. Sorry!”

Puta que pariu.
Essa foi na traquéia.
GAME OVER....

- “Não acredito!”
- É...agora ficou impossível.

Minha mulher e meu sogro foram buscar a criança enquanto eu fiquei esperando.

- “Por acaso, seu sobrenome é Morse?”
- Sim.
- Você não está me reconhecendo, eu te conheci muito pequeno.

Era uma senhora, amiga do meu pai da época da juventude, muito simpática por sinal.
Sentou-se a mesa e conversamos.

Chega minha filha com cara de quem sabe que fudeu a noite dos pais.

- Tudo bem, filha, tudo bem.

Meu sogro só precisa de três minutos para fazer amizade com alguém.
Em cinco já estava sacaneando a amiga do meu pai. Os dois regulavam idade e começaram com aquelas histórias do passado.

Arrastamos a coroa para continuarmos o papo na minha casa.
Na altura do campeonato, não faria a menor diferença.

Quando levantamos da mesa, meu sogro fez menção de guardar o celular da minha mulher na bolsa dela.
- “NÃO PAI!!!”

O grito aterrorizador fez com que todos do bar olhassem para nós de uma vez só.

- “É que tem coisa de mulherzinha dentro.”
- “Tudo bem, filha.”

Por incrível que pareça, ele também não abriu.

Minha filha só foi dormir às 4 horas da manhã e nós ficamos lá, batendo papo até o dia clarear, claro.
E o papo até que foi bem agradável e divertido.

A amiga do meu pai é carola de verdade.
Quando fui levá-la até a porta, eu com minha boca imensa, encerrei o encontro contando a história de quando menti descaradamente para um padre.
Que quiser saber, leia:

Descobrimos que o padre é amigo íntimo dela.
Enfim.  Agora a igreja católica sabe o meu endereço.

Fim de conversa, beijos, tchau, fomos dormir.

Minha mulher abraçadinha na cama da minha filha, apagou.

Do lado dela a bolsa.

A curiosidade matou quem mesmo?

Abri a bolsa de Pandora.

Não sei como ela fez para colocar tanta coisa na porra de uma bolsinha um pouco maior que um smartphone.

Mas eu juro que tinha quatro calcinhas comestíveis, um par de algemas, um chicote, duas velas, um pote de Nutella e uma navalha.

Que parada hein...
Que raio de livro é esse, meu Deus?

Por precaução, escondi a navalha.

Bom, seja lá o que for que ela estava pensando, vai ter que ficar para outro dia porque os únicos cinquenta tons de cinza que eu vi, foi os do cabelo do meu sogro que dormia como um bebê e roncava feito um dinossauro.