Em
doses mais altas, o álcool é prejudicial ao ser humano e pode causar estupro.
Quer dizer, es-tu-por, que é um estado de consciência ou
sensibilidade apenas parcial ou insensibilidade acompanhada por pronunciada
diminuição da faculdade de exibir reações motoras
Para quê fazer medicina se a
gente tem o Wikipédia, né?
Bom, o fato é que ela tinha
uns vinte e poucos anos.
Pelo semblante devia fazer
aniversário em dezembro.
Tinha cabelos loiros que
acalentavam seus ombros desnudos.
Seios joviais e úmidos como
botões de flores de esquinas.
Olhos amadeirados e lábios cor de rosa que
suplicavam em serem tocados.
Dentes brancos feito tic tacs,
braços longos e finos e mãos de pianista.
Para completar... uma bundinha
de pastel de queijo.
Agora pega tudo isso e passa
com um caminhão de cerveja em cima.
VRUMMMM!
Mais uma vez, de ré.
VRUMMMM!
Desce do caminhão, pega um
engradado e taca nos cornos dela.
BUM!
Então, assim era a mulher.
A Barbie Mendiga.
O rímel escorrido pela cara
dava todo um toque Halloween.
O pé estava da cor do pé do
Negrinho do pastoreiro.
E o calcanhar parecia de um amassador
de cacau.
O vestido, bonito e caro, fora rasgado provavelmente
por uma cerca de arame.
O joelho ralado pelo asfalto
minava gotículas de sangue e piche.
A sandália alta parecia que tinha rodinhas.
Estava completamente perdida na
terra como se tivesse acabado de ter sido expulsa do céu pelas próprias mãos de
Deus.
E eu de terno, óculos
escuros, tomando um Toddynho no sinal.
Olhei o meu mini computador
de bolso que tem funções de celular:
Segunda - 06:23 AM
- Malditos jovens solteiros, sem filhos e sem contas!
Confesso que mesmo vendo o
estado deplorável que a menina se encontrava, bateu uma inveja da
irresponsabilidade dela.
A Barbie Mendiga ouviu meu pensamento.
Com a cabeça
ainda baixa, ela levantou os olhos para cima, por dentro do cabelo, em minha direção no melhor estilo: Samara do “O chamado”, saca?
- Ô, ô.
Desviei o olhar. Não quero confusão.
Ela veio toda mamulenga em minha direção, tentando andar em
linha reta. Com os pés de Curupira, ficava difícil.
Andava numa corda bamba
imaginária, a bêbada equilibrista.
- “Moço!”
De moço para tio passa rapidinho. Sabe disso, né?!
- “Me ajuda?”
O sinal ficou vermelho e eu não fui.
- Pois não?
- “Estou muito perdida!”
Disse isso choramigando, soluçando e rindo ao mesmo tempo.
Tirou o cabelo da cara e
tentou usar a arma mais poderosa de uma mulher:
O charme.
Mas com aquela maquiagem toda
borrada, o sorriso dela tomou um ar insano, igual o do Coringa.
- Onde você mora?
- “Eu estou na casa da
Joana.”
Disse tropegamente.
Essa é fácil. A casa da
Joana fica depois da casa da Roberta, esquina com casa da Sueli ao lado da casa
da Fabíola.
- Se concentra! Onde a Joana
mora?
- “Joana mora...ic!..ela é minha amiga...ic!...eu
estou com ela.”
- Cadê ela?
- “A gente estava juntas na
festa! Mas ela...ic!... sumiu.”
- Cadê seu celular?
- “Perdi.”
- Você lembra onde era essa
festa?
- “Na Barra da..ic!”
- BARRA DA TIJUCA? Porra! É
muito longe daqui! Como é que você veio para cá?
- “Hummm... Não lembro.”
Não posso julgá-la. Já
acordei várias vezes em casa sem saber como tinha chegado.
Uma vez eu peguei o mesmo
ônibus quatro vezes até o motorista me colocar num táxi.
O taxista me deixou na porta
de casa e passou no dia seguinte para receber a corrida.
Jovens... Só fazem merda.
- “Moooooooooooooooooooooooooooooço!”
O bafo maligno de álcool inverteu os pêlos da minha sobrancelha e queimou alguns dos meus cílios.
Identifiquei os odores de cerveja,
tequila, whisky, blue curaçau, leite condensado, vômito, sêmen, orégano, carne
moída...e pimenta calabresa.
Meu olfato é canino.
- “Me ajuda!”
- Estou tentando, calma! Olha
para mim.
Segurei no queixo dela com
firmeza, que me encarou de forma sagitariana.
- Presta atenção...
Expliquei passo a passo, onde
ela estava e dei até as coordenadas de latitude e longitude.
- “Agora tenta lembrar onde
sua amiga Joana mora.”
- “A...Joana?”
- É.
- “Ela...”
- Sim.
- “...ela...ic...sumiu da festa!”
Segunda, 7:01
E eu já estava atrasado.
- Quer uma Coca?
Coca Cola é remédio e não refrigerante. Isso nem a Madre Tereza de Calcutá me tira da cabeça!
Ficamos lado a lado no posto de gasolina numa cena digna de um pôster de filme do Woody Allen.
Uma loira bêbada e um negro sóbrio de terno, em plena zona sul, quem olhava jurava que eu era pastor
evangélico tentando salvar uma alma perdida.
Demorou mais ela fez o que todo bêbado uma hora faz:
Começou a chorar.
Mulher chorando é meu ponto fraco.
Custou R$ 30,00 para tirar as manchas e o fedor do paletó.
Se fosse um mendigo de verdade não tinha nem chegado perto, a verdade é essa.
Era uma merda.
Aquilo não tinha nada a ver comigo, estava atrasado e nem
conhecia a menina...
Nem bebido com ela, eu tinha.
Mas Saint Exupéry..."Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas...
Droga.
Não sabia o que fazer.
A menina estava suja e alcoolizada, mas dava para ver que era
bem cuidada de berço. Classe média ou classe alta.
Não podia entregá-la para... sei lá... a polícia militar.
(NOTA PARA OS LEITORES JOVENS: Isso aqui é um blog de humor. Na
verdade, toda vez que estiverem em apuros, procure sim um policial, pois eles
estão aqui para servir e proteger.)
- Olha menina, eu realmente não sei...
- “Lembrei o endereço!”
- Jura? E qual é?
- “O nome eu não sei, mas é no começo dessa Avenida, ao lado do MC Donald's”
- Tem certeza?
- Tenho.
Dava uns oito quarteirões até lá.
Com aquele equilíbrio de ovo em jangada, a maluca não ia
chegar lugar nenhum.
Parei um táxi.
- Amigão! Você pode deixar essa senhorita em frente ao MC Donald's,
por favor?
Peguei a única e solitária nota de dez reais que eu tinha na
carteira e dei pra o taxista que parecia o Zagallo.
- “Muito obrigado, você é um amor!”
Me deu uma bitoca na bochecha que mesmo infectada, ficou
corada.
O sinal abriu e o táxi partiu.
Despachei o ebó.
O táxi parou na próxima esquina.
- Ai caramba...
A Barbie Mendiga saiu do carro e parou na porta de um prédio.
O taxista picou a mula.
- Puta que pariu. É hoje!
Arqueei a sobrancelha e fui me encaminhando até lá.
Só que maluca entrou no prédio direto e subiu.
Quando cheguei no prédio, toquei o interfone e falei com o porteiro:
- Bom dia!
- “Bom dia.”
- O senhor conhece essa menina que entrou aqui nesse minuto?
- “Conheço desde criancinha.”
Não queria perguntar, mas...
- Qual o nome dela?
- “É a Joana...do 612.”
Odeio Conta Uma de manhã...