Ninguém começa uma boa história
tomando um copo de leite.
Nem eu.
Mas eu estava tomando um copo
de leite puro e sem açúcar.
Estava com pouco de azia e
aproveitei que o bar estava vazio.
Quer dizer, mais ou menos vazio
porque ela estava lá, sozinha.
Apenas sete cadeiras nos
separavam no balcão do bar.
De um lado eu, moreno alto,
bonito e sensual.
E do outro: Tania Kalil, atriz
e mulher do músico Jairzinho.
Sem querer desmerecê-lo, mas
nesse trânsito infernal que a gente vive, o cara que tem um balão mágico pega
qualquer mulher.
(Eu sei, desculpe a piada ruim.
Estou só esquentando.)
Ela é impecável e tem uma
postura “excaliburiana.”
Lambi o bigode lácteo e limpei
a garganta, um pouco alto demais.
Ela foi virando a cabeça de
forma gradativa, em stop motion, como se quisesse me encontrar apenas pelo
canto dos olhos. Discreta.
Até que me descobriu e sorriu
"gatoaliceamente."
Retribui o sorriso, mas não
desviei o olhar dela. Nem pisquei.
Ela também não.
Sabe aqueles três segundos de
encarada que a gente dá?
Chega uma hora que um dos dois
acaba desviando, não é?
Dessa vez ninguém desviou.
Ficamos olhando um para o outro
por uns quatro minutos contados pelas batidas do meu coração em minha traqueia
e ritmados pela sola do meu sapato no taco solto.
Ela pôs o canudo na boca para
tomar o seu drink sem desviar os olhos de mim, não de um jeito vulgar, mas um
tanto provocante.
Olhei para a minha mão esquerda
e percebi que alguma coisa estava faltando nela, mas não sabia o que era.
De repente ela se levantou e
veio andando em minha direção.
Por fora eu era sereno como
mármore, por dentro um boneco do posto.
Olhos nos olhos quero ver o que
você faz.
Ela passou por mim e o seu
perfume me arrastou pelo pescoço.
Ela saiu e bateu a porta.
Virei o resto do copo de leite
e fui atrás dela.
Que mulher bonita anda mais
rápido que as pessoas normais é comprovadamente científico.
Mas ela começou a correr muito.
Na verdade, todos na rua
começaram a correr.
Quando olho para trás, vejo o
Coelho da Quick de trinta metros de altura que sempre aparece nos meus sonhos
para transformá-los em pesadelos.
Puta que pariu! É um sonho!
Perdi a mulher de vista, agora
apenas fujo para tentar salvar minha vida.
Detesto perseguições em
pesadelos.
Como pode as pernas ficarem tão
pesadas e lentas logo agora que o perigo é iminente e aterrorizante?
Eu me arrasto e tento fugir,
mas o Coelho Gigante da Quick é mais ágil e voraz... ele está quase me
alcançando... e eu estou caindo...
Acordei.
Sinto todo o meu corpo tremer
como se minha alma tivesse voltada atrasada para o corpo naquele minuto.
Concluo a ofegante respiração
enquanto me acalmo.
Tudo bem agora, meu quarto é
meu porto seguro.
Meu lençol é minha âncora.
Estou encharcado, mas salvo.
Acho a aliança ao meu lado e
ponho novamente no meu dedo.
- Ufa... Eu hein...
Pego smartphone e a sua luz
branca azulada, obsessora e viciante estupra toda escuridão do ambiente
arregaçando minhas pupilas e quase me puxando para uma outra dimensão.
Touch screen.
Hora - 1: 31
É madrugada e tudo está como
deveria estar.
Fecho os olhos.
Não é a primeira vez que minhas
pernas falham em pesadelos.
Dizem que é insegurança. Não me
acho inseguro.
O eco da buzina solitária na
rua de baixo chama minha atenção.
Dedo na tela; luz.
2: 33
Fecho os olhos.
Tenho tempo de sobra para
dormir ainda, pois só acordo as seis.
Ninguém deveria acordar
cedo, mas pelo menos eu trabalho do lado de casa e isso não tem preço.
Minha empregada, por exemplo,
mora na oitava lua de Urano.
Longe para caralho!
Percebo o meu pênis ereto.
Não, não é por causa da minha
empregada.
Ela é tão sexy para mim quanto
o Tony Ramos untado de manteiga de bunda para cima numa piscina de bolas
cantando Lek Lek.
É só tesão de mijo mesmo.
Dedo na tela; luz.
2: 40
É fácil achar o banheiro pelo
pinga-pinga insuportável da torneira.
Prometi que ia consertar e
esqueci. Eu esqueço coisas.
Acho que terapia resolveria
isso. Mais certo seria um neurologista.
Ou queijo.
Dizem que queijo é bom para
memória. Será?
O vulto que se esconde no
espelho revela um cabelo deformado, olhos vermelhos, rosto inchado e um jeito
meigo cretino.
Desviei os olhos.
Mijar no vaso com o pênis ereto
é uma tarefa muito complicada.
É como fazer um avestruz com
torcicolo beber água num pires.
O xixi saiu de mim feito
orgasmo de solteirona.
Respingou no tapete, mas
ninguém vai saber.
Será que tem queijo na
geladeira?
Preciso emagrecer, estou fora
do peso.
O colchão saculeja quando o meu
corpo é atirado displicentemente sobre ele.
Dedo na tela; luz.
2: 41
Esfriou.
Não dá para desligar o
interruptor do ventilador com o dedo do pé.
Meu sonho era controlar tudo
com o poder da mente.
Uma vez vi no Discovery
Channel, um indiano que levantava e abaixava o pênis apenas com o pensamento,
acredita?
Num transe hipnótico,
diafragma, shakra essas coisas.
O pênis dele ficava ereto... e
amolecia, ficava ereto... e amolecia.
Eu perderia metade da vida só
brincando disso no chuveiro.
Sou fã desse indiano.
Desliguei o ventilador com a
mão mesmo.
Dedo na tela; luz.
2: 45
Falando em Woody Allen? Esqueci
de entregar os filmes da locadora.
Peguei duas comédias
românticas, um filme cabeça e um de ação.
Só vimos as porras das comédias
românticas.
Casamento também é isso. Sempre
uma prova de amor.
É assistir a novela das oito e
não entender nada.
Olho para o lado.
Minha mulher dorme feito um filhote
de panda que fez ninho com os cachos das fadas que iluminam o arco-íris dos
Ursinhos Carinhosos.
Seu ronronar é como um
farfalhar de um bonzai.
Que inveja.
Dedo na tela; luz.
3: 00
Eu amo minha mulher, mas se eu
não tivesse casado, certamente hoje estaria solteiro, comendo várias modelos,
pulando de asa delta em vulcões adormecidos e surfando no Lago Ness.
Só de pensar me dá uma
preguiça...
A solidão sempre nos vigia
pelas frestas sombrias das pilastras da vida. Clarice
Lispector.
Mentira. Acabei de inventar.
Canastrão.
Dou a mão à minha mulher, meio
que tentando acordá-la de propósito para ser minha cúmplice notívaga.
Eu gosto da companhia dela.
Mas a filha da puta dorme mais
pesado que um javali abatido por aborígenes. Nem respira.
Que inveja.
Dedo na tela; luz.
3: 09
Droga!
Eu tenho medo de morrer.
Sabia que você vai morrer? Sua
mãe vai morrer! Seu cachorro vai morrer! Todo
mundo vai morrer!
Eu não consigo nem ir embora de
festa, imagina ir embora da vida?
Só morro tranquilo se todo
mundo for morrer junto.
Dedo na tela; luz.
4: 09
Bom, agora eu acho que o
diagnóstico é oficial:
- Insônia!
Nessas horas faço o que
qualquer pessoa sensata faria:
Entrei na internet.
O facebook consumiu qualquer
migalha de sono que poderia surgir.
As pessoas tendem a serem mais
loucas de madrugada.
E smartphone é siririca digital.
Após mil curtidas
masturbatórias achei melhor pôr o telefone virado para baixo na mesinha de
cabeceira.
Fecho os olhos.
Um médico amigo meu disse que
sexo é a cura para insônia.
Posso tentar. Ela pode acordar
malemolente e sexy como uma sereia no cio ou pode acordar muito puta feito o
Tiamat com sete cabeças.
Hum...
A pessoa dorme com tanta
competência que acordar é muita sacanagem.
Que inveja.
Dedo na tela; luz.
4: 10
Vou comer um doce.
Quem tem filho, tem doce.
Depois do lanchinho só uma
chupeta do demônio.
Um maço de Carlton perdido na
varanda assobiou para mim.
Acendeu... baforou... fudeu!
Fumar é tão século passado.
Já olhou dentro da brasa de um
cigarro?
Se você olhar bem lá dentro
mesmo, verá que parece um bordel, com luzes vermelhas, pessoas nuas e bêbados
caídos pelo balcão.
Todo o pecado do mundo cabe na
brasa de um cigarro.
É por isso que ele é bom. E por
isso que ele mata.
O que não mata hoje em dia
também, né?
Volto para cama.
Dedo na tela; luz.
4: 30
Duas colheres de Nutella mais o
sorvete napolitano e três fatias de mortadela não caíram bem.
A mortadela estava igual a Dona
Zica. Verde e rosa.
Ao lado do meu sanitário tem
três livros ótimos que leio quando faço cocô. Li
quatro capítulos seguidos e nem caguei.
Volto para cama.
Com quatro frases do livro eu
ajeitaria a vida de umas vinte pessoas que eu conheço.
Com insônia eu resolvo qualquer
problema do mundo.
Difícil é saber que direção
tomar na própria vida.
Dedo na tela; luz.
4: 35
Facebook!
Vinte e duas pessoas curtiram
meu status que dizia: “Insônia.”
Ninguém trabalha nem dorme
nessa porra de internet mesmo!
Dedo na tela; luz.
4: 34
Como assim?
A madrugada vai se despedindo
de mim feito uma cinderela arrependida.
E para piorar, chove muito.
Chuva na sexta-feira é culpa de
pobre.
O quarto ficou mais frio e
escuro.
Uma luz invadiu o teto e fez
rasgou um desenho na parede.
Parecia um... astronauta?
Eu poderia ter sido astronauta.
Amo a lua.
Soltei um peido barulhento como
se tivesse sentado numa gaita de fole.
Minha mulher estremeceu e abriu
os olhos.
Fingi que estava dormindo,
virei de lado e me encolhi.
Não fui eu.
zzzzZZZZZZZZZZZZZZZ...
É um daqueles malditos
mosquitos que ficam de megafone no nosso ouvido. Zombando. Rindo de nós.
Mosquitos hipócritas, individualista, egoístas, estúpidos, preconceituosos da porra!
Eu não passaria novamente tão
perto se fosse ele.
Sou Thundercat, treinado nas
sete chagas orientais das artes de Conan Kan, discípulo de Guevara Kenobi,
cavaleiro do zodíaco e...
...Matei o filho da puta numa
porrada só e o seu sangue agora faz parte da parede branca do meu quarto.
Dedo na tela; luz.
5: 00
Puta que pariu.
Agora é tudo ou nada.
É pegar essa horinha, tirar o
sono da beleza e partir para luta.
Pisquei e uma hora virou
um minuto.
6: 00
O toque do meu despertador é um
galinha com cólica.
- Preciso de só mais dois
minutinhos e já levanto.
Acordei assustado.
Dedo na tela; luz
7:00
Puta que pariu!
Lanço-me no chuveiro e saio
molhado pingando no sapato e na meia, cueca na boca, calça e a camisa embaixo
do braço, pulo num pé só enquanto escovo os dentes e passo desodorante e
perfume. Mergulho no casaco tentando achar as chaves e a carteira.
Mão na maçaneta.
Cara, esses horários estão meio furados, 4:35h antes de 4:34, entre 2:40h e 2:41h vc fez muita coisa em... sei como é não durmir de madrugada, mas tô com inveja da sua velocidade!!!!
ResponderExcluirAchei DO CARALHO!
ResponderExcluiro queijo é ruim pra memória...
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