Sogros fazem parte do seu
relacionamento.
E o primeiro que eu tive parecia uma vagina seca .
Impenetrável.
Militar aposentado, mantinha sempre
o mesmo semblante e suéter. Arrastava uma sandália de couro e usava o short do
pijama sem cueca, revelando o seu famoso e murcho testículo esquerdo.
Sua guerra: Manter três fios de
cabelo relutantes em cima da testa.
Tinha a rotina de um marcapasso:
Ia do quarto para mesa, do prato para
o vaso, e da pia para cama.
Menos aos domingos.
Quando se permitia um único lazer:
Assistir ao futebol na poltrona,
fumando cachimbo, bebendo Campari e comendo ovos cozidos com chuchu e parmesão.
Meu sogro era um velho clichê, eu
sei.
Eu o chamo de sogro porque na minha
época se você transava com a menina, levava ao cinema e conhecia os pais, estava
praticamente noivo.
(Não nessa ordem!)
Minha sogra, Dona Carmem, por sua
vez era um amor de pessoa.
Uma senhora elegante, inteligente e
divertida. Tinha olhos gentis e cativantes que camuflavam os anos ao lado da
estátua de carrara que era o marido.
Ela sempre se desculpava pelo jeito granoblástico
dele:
- “Meu filho, Vagina Seca é assim
mesmo. A última vez que sorriu foi no enterro de papai. ”
Humor negro.
Mas a verdade é que Seu Vagina Seca
não ia com a minha cara.
Quando eu dava bom dia, ele dava um
grunhido. Quando eu dava
tchau, ele roncava.
Nunca tinha visto a cor dos olhos
dele.
Quando passava por mim não se dirigia
e quando eu ligava, não atendia.
Bianca era mais velha e muito mais maluca
do que eu, mas como todo pai, ele achava que eu é que a levava para o mau
caminho.
Depois de um tempo, desisti.
Paciência.
Mas Bianca, insistia:
- “Quanto mais tempo isso levar,
pior vai ficar!”
- Quer que eu faça uma serenata para
ele?
- “Quero que você use o seu charme
para conquistar o velho.
- Pois sim.
- “Você é naturalmente engraçado!
Seja natural!”
Tão natural quanto um bobo da corte
judeu tentando entreter Hitler.
- “Hoje tem jogo, meu pai é
flamenguista igual a você. É um ótimo dia!
- Ótimo dia para um suicídio.
Ganhar a simpatia daquele homem
seria como arrancar um ciso de um hipopótamo.
Eu queria mesmo era ver o jogo com a
minha torcida.
Mas no fundo, aquele velho me
irritava.
Mau humor me incomoda deverasmente.
Devia ser pecado capital no lugar da
preguiça.
Cara, quer saber? Vou encarar o
coroa.
Cheguei perto do sofá como quem não
queria nada e fiquei em pé olhando para TV.
Ele nem piscou.
Quando o jogo começou, me adiantei e
sentei num movimento só.
Ele pegou a mesinha com a garrafa de
Campari e os dois ovos cozidos com chuchu, tirou e arrastou para perto dele.
Comecei tocando a bola pelo meio:
- É hoje, né Seu Vagina Seca!?
Mengão hein!? A goleada vai ser de quanto?
- “É.”
O “Flecha de gelo” bicou a bola para
lateral.
Fiz um lançamento:
- Adoro o Romário!
- “Eu não! É indisciplinado e
prepotente”.
Hadouken! Foi nas minhas
pernas sem bola.
Já levantei batendo a falta:
- É, mas na pequena área ele é um
mestre!
- “Prefiro o Sávio que é um exemplo
dentro e fora do campo.”
Acendeu o cachimbo dando seguidas
baforadas e o vento jogava toda fumaça na minha cara.
Cartão amarelo.
Achei melhor jogar pela lateral.
- Acho cachimbo curioso. Tem que
tragar igual a cigarro?
- “Não.”
Aumentou o volume da TV.
Ele era mais escroto que peido em
elevador.
Sem mais, deixei o grilo cantar: Cri...cri...cri..
E o tempo passava jabutinescamente,
enquanto eu tentava, em vão, decifrar aquela esfinge sentada ao meu lado.
Foi assim até o juiz apitar.
Mas eu tenho Fair Play:
- Vou até a cozinha, o senhor quer
alguma coisa?
- “Peça a minha esposa mais um tira
gosto, por favor.”
Mãe e filha estavam na torcida, se
divertindo:
- “E aí já são amigos?”
- Ele é tão sério que chega a ser
irônico.
- “Você está muito nervoso meu
filho! Tem que ser mais ousado. Vou te contar, ele acha que sabe de tudo!
Experimenta deixá-lo curioso.
- Jura?
- “É assim que eu sobrevivo.”
Voltei para o segundo tempo com a
cabeça quente e o petisco frio não mão.
Scaneando meu cérebro jovial atrás
de alguma sacada original e interessante.
Não achei.
O jogo recomeçou e eu optei pela
retranca.
Botei o pratinho na mesa e afundei no
sofá como quem deita na lama.
Num lampejo de gentileza, ele me
ofereceu o petisco:
- “Aceita um?”
Opa! Um espaço.
- Aceito sim, obrigado!
Peguei um ovo cozido e antes de
abocanhá-lo, do nada, mandei de fora da área com o goleiro adiantado:
- O senhor sabia que o chuchu é uma
fruta?
Seu Vagina Seca quase se engasgou.
Cruzei as pernas como se fosse o
Sigmund Freud do chuchu:
- É uma fruta!
- “Está enganado. O tomate que é um
fruto.”
- O tomate e o chuchu.
- “Nunca ouvir falar nisso!”
Cheguei perto como quem divide um
segredo:
- É que poucas pessoas sabem.
Mandei o ovo pra dentro de uma vez
só.
Romário bateu e GOOOOOOOOOOOOOL...
Um a zero para o Flamengo.
Eu pulei e gritei de alegria.
Seu Vagina Seca comemorou mais
ameno, fechando os punhos para cima.
Ele realmente ficou curioso. ..
- “Interessante esse negócio aí do
chuchu...”
- É né? E não é só ele. A berinjela,
o pepino, a abóbora e o pimentão também são frutas.
- “Mentira????”
- Pois é! Li na Larousse Cultural.
(Em 3.200 A.C, pessoas batiam de
porta em porta vendendo coisas.
Eram Livros, Yakult ou Testemunhas
de Jeová.
Minha mãe comprava livros e Yakult.)
- “É...Esqueci o seu nome, perdão?”
- Angelo.
- Aceita uma bebida, Angelo?
Hummmmmmmmm....Claro.
- “Gosta de Campari?”
- Não conheço muito.
Contra-ataque:
- Não acredito! Não conhece?
Levantou-se para pegar um copo para
mim.
- “... Minha família é italiana.
Toda vez que bebo, lembro do meu pai que sempre contava a história. Foi
inventada por um garçom, Gaspare Campari, que nas folgas experimentava
receitas. Tem mais de cinqüenta ingredientes e ainda hoje, é preparada com a
mesma composição original, graças à fórmula que foi guardada em segredo
absoluto por mais de 100 anos.
Serviu- me de um copo e pôs na minha
mão.
Jogando de sapato alto, tentei
roubar-lhe a bola novamente:
- É o caso da Coca-Cola que...
Ele segurou meu braço com força e
pegou o copo de volta, sério:
- “Escuta aqui! Coca-cola é para
moleques; Campari é para homens.”
Tomei um susto.
Ele percebeu o silêncio na minha
garganta.
Pela primeira vez vi a cor dos seus
olhos.
Eram da cor da bebida: Vermelho.
- “Qual dos dois você é? Homem ou
moleque?”
Era sobre maturidade, bebida ou a
filha dele?
Peguei o copo de volta bem devagar,
sorrindo:
- Sou homem.
Virei tudo de uma vez só.
Mermão. ..
Já tomou Campari?
Puta que pariu! Que troço ruim!
Parecia perfume, remédio e veneno.
Foi um amargo na língua, uma
ardência na garganta e um enjôo no estômago.
Com a mesma velocidade que bateu,
voltou.
Vo-mi-tei no ta-pe-te.
Não sabia se era sangue ou só a
bebida.
As mulheres vieram correndo
assustadas?
Seu Vagina Seca dava tapinhas nas
minhas costas e ria.
Riu muito. Gargalhava, o canalha.
- “Não foi nada, só o menino que
ainda tem muito que aprender.”
Eu, tossindo, só acenei que estava
bem.
- “Quer uma Coca-cola?”
Gol do Sávio. Flamengo 2 a 0. Campeão
invicto.
Seu Vagina Seca pulava e gritava de
alegria.
Eu comemorei mais ameno, fechando os
punhos para cima.
Nunca mais bebi Campari na vida.
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Bjs
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