terça-feira, 1 de maio de 2012

Eu já fui Saci Pererê




Discutir racismo no Brasil é mais difícil que achar preto em maquete.

Entretanto, após anos de luta contra a hipocrisia, teorias desqualificadas, argumentos retrógados, pensamentos absurdos, julgamentos equivocados e falácias racistas, estúpidas e covardes, a mais alta corte de justiça do país concluiu por unanimidade que a cotas raciais não só são compatíveis com a Constituição como também são de suma importância para o êxito do processo que visa, no futuro, a retirada dos negros da marginalidade e sua inclusão na sociedade.

A decisão mais relevante sobre o assunto desde a Lei Áurea.

“É preciso tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdades”. Disse Ruy Barbosa.

Mas você que é racista, não se desespere!
Isso ainda vai demorar.

Esse papo todo me lembrou uma história engraçada.

Estudei numa escola particular, famosa e bem conceituada.
Na época, assim como hoje, eu era um dos pouquíssimos negros de lá.

Ao todo devíamos ser uns sete. Contando com o menino da faxina.

O evento mais importante da escola era a “Festa do Folclore.”
Todas as turmas participavam. Do maternal até o terceiro ano.
Éramos divididos em regiões brasileiras e países.
O negócio era tão sério que uma vez, a galera que representava o EUA conseguiu abrir uma pequena filial do MC Donald´s na escola.

Eu até que era bom aluno, mas sempre achei Geografia um saco e por conta disso estava precisando de uma boa nota para passar.

Quanto mais coisas típicas você levava, mais ponto você ganhava.
Mas se participasse caracterizado da apresentação então...

A disputa de elenco era acirrada.

 “Eu vou ser a Sereia!”, “Eu sou o Curupira!”,  “E quero o Boitatá!”

Quem vocês acham que eu poderia ser?

O boto?

- Eu quero ser o Saci professor!

-“Desculpa Angelo, mas a vaga de Saci já foi preenchida.”

Tá de sacanagem!?

Então...

-   Negrinho do Pastoreio!
- “Negrinho do Pastoreio!”

O filho da puta do Negralha, lá no fundo, falou junto comigo.

O professor ficou meio perdido, mas achou uma solução:
- “Vamos fazer uma votação!”

Ótimo! Sempre fui popular na escola.
E eram só dois candidatos para uma vaga. Mole!

- “Negralha ganhou por votos!”

- Unfg!
Sempre fui péssimo em concursos públicos.

Fudeu! Agora para eu passar de ano só se eu levasse uma tonelada de comidas típicas, objetos, etc.

Só que lá em casa, dinheiro estava mais raro que preto no Leblon.

No dia da festa chego eu com um mísero bolo de fubá.
Quando olho para nossa barraca...
Puta que pariu! Vagabundo tinha levado tudo! 
Inclusive, dezenas de bolos de fubá.
Só chegava gente carregando coisas.

Uma dessas pessoas era o meu querido amigo: Peixinho.
A mãe dele, Tia Fátima, sempre se empolgava muito com os eventos da escola.

O professor tinha posto a Tati (CDF ao quadrado) como guardiã da barraca.
E era ela que anotava tudo.
Mas exatamente na hora que Tia Fátima chegou com as coisas, a Tati tinha ido ao banheiro.

Quando a ela voltou nem pestanejei:

- Oi Tati, tudo bem? Olha só, Tia Fátima deixou essas coisas aí e eu trouxe essas daqui.
Apontei para uma porrada de coisa.

Tia Fátima tinha levado tanta coisa que dava para uns quatro terem levado.
E olha que Peixinho era CDF, nem precisava de nota.
Além do mais, a Tati era gamada nele.
Qualquer coisa que eu falasse que era dele ela iria anotar e contornar com um coração.

- “Nossa Angelo! Você trouxe isso tudo?”
- Para você ver...

Nem pisquei e ela começou a anotar no meu nome.

Era um plano além de cretino, ousado, alguma hora alguém iria descobrir.

De repente chega a Sereia com uma notícia dos céus:
- “Gente! O menino da outra turma que ia fazer o Saci não vem mais!”

(Eu juro que não tive nada a ver com isso!)

O professor ficou desolado: “Puxa vida, logo o Saci!”

Dei um salto duplo twist carpado, estilo Daiane dos Santos:
- Professor, eu posso ser o Saci! Eu posso ser o Saci!
- “Você?”
- O senhor está vendo outro preto aqui?

Juro que se aparecesse outro negro eu arrancava uma perna minha com os dentes.

- “Mas e a roupa Angelo?”
- Eu tenho.
- "Tem?"

(Claro! Também tenho uma roupa do Darth Vader, uma do Pica Pau e uma da She Ha no meu armário!)

- “Bom, tudo bem, mas a apresentação é às 16h!”

  Olhei para o relógio: 13h
- Deixa comigo professor!

Levantei a Espada Justiceira e chamei meus amigos Thundercats:
- Galera! Nossa missão é me transformar em Saci em três horas!

Peixinho deu logo a fita:
- “Mamãe deve ter alguma coisa!”

Ele morava ao lado da escola, e de cara tinha um Papai Noel na parede.
(Engraçado, não era natal!)

- Tia Fátima, preciso urgentemente de um gorro vermelho. Posso pegar esse?
- "Mas foi um trabalhinho do Danielzinho..."
- Por favor Tia!
- “Tá bom, pode!”

Destruí o Papai Noel, arranquei o algodão do gorro e meti na cabeça. 
Coube certinho!

- E de um short vermelho também!

Ela aparece me zoando com o shortinho vermelho do uniforme do irmão mais novo do Peixinho que ainda estudava no jardim de infância.
Eu tinha doze anos e ele deveria ter, sei lá, uns cinco.

-“Hehehe..Olha! Tem esse, mas duvido que caiba em vo...”
- Serve!

Saímos correndo porque o tempo era nosso inimigo.

E agora?
O cachimbo ia ser impossível de arrumar em cima da hora.

- “Na Casa da Macumba tem uma imagem de um preto velho com cachimbo na boca!”
- “Deus me livre!”
- “Gente, preto velho é só um vovozinho, a gente pega emprestado e depois devolve.”
- Não vou roubar o cachimbo da boca do Preto Velho, porra!
- "Então vamos ver se o dono empresta."

Óbvio que o dono da loja não emprestou o cachimbão para gente, mas depois que eu expliquei a situação com o gorro na cabeça e pulando numa perna só, ele me deu um cachimbinho de barro, e já era mais do que perfeito. 

Enchemos o cachimbo de gelo seco para parecer fumaça.
Legal!

- Drica! Tira a sua meia calça preta!
- “Han?”
- Na escola eu te explico.

Corri para o banheiro da escola e me montei, como dizem os travestis.

Com as duas pernas da meia calça eu fiz uma e vesti as minhas pernas juntas.
Dessa forma, o único modo de andar, seria pulando de verdade.
E com muita boa vontade e fantasia, parecia sim ser uma perna só.
O shortinho vermelho do moleque em mim gente...Indecente!
Alguém chegou com uma garrafa de refri cheia de vinho.
- “Consegui com um moleque da barraca da Itália, toma!”.

Não parece, mas eu sou tímido. O vinho ajudou bastante.

Quando saí do banheiro da escola, de Saci Pererê, no meio da multidão...
Imagina?
Nem quis saber.
Incorporei o personagem e saí pulando.
No terceiro pulo tomei um estabaco e caí de cara no chão.
Levantei e continuei pulando.
Caí de novo.
Não é fácil andar pulando tá? Ponto para o Saci!

Quando o professor me viu ficou doido:
- “Nossa, você está lindo!”

Fui direto para a apresentação junto dos outros mitos e lendas.

No final, não satisfeito, o professor me pediu para ir em todas as salas.
Inclusive a ala das crianças que tinha uma enorme rampa.
Caí várias vezes até subir.
Criança pode ser mais desagradável que adulto às vezes:
- “Ué? Saci não tem duas pernas!”

A meia calça já estava toda rasgada.
A essa altura, eu já estava morto de tanto pular.
Toda hora eu tropeçava nos fios e caía
O joelho todo ralado.

Após o maravilhoso passeio cultural pela escola, encontro meu professor de História:
- “Hahahahaha...Dom Annnnnngelo, você é o Saci?”

(Não, sou a Mula sem cabeça!)

- “Está tudo ótimo, mas sabe que ainda falta uma coisa, né?”

(Professor, juro, nunca irrite um Saci...)

Ele tirou um Pilot preto do bolso e fez um buraco em cada palma das minhas mãos.

Vocês sabiam que Saci tem um buraco na mão?
Só o desgraçado do professor de história é que sabe uma porra dessa, né?

Ele até começou a me explicar o significado, mas eu nem ouvi.

Fui enfim botar o Saci para subir.

Na segunda feira, o professor de Geografia abre a aula assim:

_ “Todos estão de parabéns, mas gostaria de parabenizar especialmente um aluno que trouxe sete pratos de comidas típicas, cinco objetos decorativos, participou da apresentação e ainda foi de sala em sala falar sobre o folclore brasileiro:

- “Uma salva de palmas para Angelo Morse, o Saci mais famoso da escola de todos os tempos!”

Nota dez!


Obs: Não esqueçam de deixar o seu comentário e compartilhar com os amigos e com os inimigos também.
Mas se quiser só encher o saco, envie o blog como pauta para o Jô: http://programadojo.globo.com/platb/programa/


19 comentários:

  1. RÁ! Descobri o motivo da mão furada do Saci: "Tem uma mão furada e gosta de jogar objetos pequenos para o alto e deixa-los atravessa-la para pegar com a outra."

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  2. kkkkkkkkkkkkkk
    "se aparecesse outro negro eu arrancava uma perna minha com os dentes."
    Essa parte eu me acabei de tanto rir!!!!
    parabens, amigo! Genial!bjo

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  3. Hummm acho que estudei nessa escola tb. Rs, Partcipei dessas festinhas boas! já enchi o saco do pessoal do Jo! Abçs

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  4. Juro que se aparecesse outro negro eu arrancava uma perna minha com os dentes.kkkkkkkkkkkkkkkkk!!!!! muito boa!!!! ffanática pelas historias......

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  5. Hahaha... Me amarro quando lembram dessas histórias. Mas quando você conta, Ângelo, fica impressionantemente engraçado. rs... Parabéns!

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  6. uahuahu estudei lá, mas acredita que eu nao me lembro de vc na escola? juro. eu so me lembro de ter te conhecido na casa de sancler, ou num natal, ou aniversario...

    mas imaginei toda a cena....

    quem era este professor de historia?

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    1. Estudou que ano? Prof de história era o saudoso Wallace.

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  7. hhahahaha....nossa, claro q lembro!!! O professor q sabia do buraco na palma da mao so pode ser o Walace..e o de geo deve ser o Manoel, neh? hahahahaha.... amei lembrar disso!!

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  8. Suas histórias são sempre as melhores!!!!!!!! Adorei....bjks

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. imaginei vc com o shorte de André, acho q nem hoje deve caber em vc... Lembro perfeitamente da mãe de Peixinho, ela se empenhava mais que os alunos...

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