sexta-feira, 9 de março de 2012

A Garota Rotweiller


Eu era vendedor de purificadores de água.

Vendia de porta em porta. Não existe isso mais não, existe?

Vendedor de enciclopédia? Vendedor de Yakult? Plano de saúde?

Existem algumas manhas nessa profissão.

Regra1 : O morador da casa não pode achar que você é vendedor nem testemunha de Jeová.

Senão já manda de longe:
- “Quero não!”

Então a gente batia palma:
- Pla, pla, pla...(Palmas)
- Nós somos do sistema....mngnerngenefnerenfee...de água!

De longe pessoa só escutava “SISTEMA”...e ÁGUA.

Todos vinham até a porta, claro!

Regra 2: Nunca converse na porta da casa.

Você tem que entrar na casa da pessoa.
Para isso, é preciso ganhar a confiança.

Eu tinha um formulário com perguntas sobre a água do lugar.
Os moradores metiam o malho:
- “A água aqui é uma merda! Não cai nunca! É suja para caramba!
- “Entra menino, vou te servir um café...”

Deixou entrar fudeu.

Era só começar a mostrar os aparelhos de “última geração” que a mulherada ficava louca.

Mulher era sempre melhor para vender.

A maioria dos homens está cagando e andando se água dele é suja.

Desde que não tenha um rato morto no filtro de barro...

Nunca mais me esqueço, o nome dessa senhora: Jorgeane.

Uma senhora arrumada.

Coroa gostosa...Estilo Nelson Rodrigues, saca?

Me atendeu de pijaminha, sem sutiã.

Com18 anos eu tinha um tesão de 14 gorilas no cio.

E Dona Jorgeane era simpática toda a vida. Os mamilos idem.

Tarado é um homem normal pego em flagrante.

Mas toda fantasia acabou quando ela me apresentou a filha.

- “Essa é minha filha!”
- “Graziela, deixa o rapaz sentar!”

Radiografei a ditacuja:

12 anos, um pouco acima do peso, alta e com alguma deficiência intelectual.

Rolava um: Dãããã...Sabe?

- "Sr Angelo, vai escrever isso mesmo?"
- O que Minichico?
- "Esse Dããã?" Desculpe! Mas é um comentário inapropriado.
- Tá certo, esqueçam o dããã, por favor.

Continuando:

- Pode deixar ela aí, eu sento aqui do lado.

Regra 3: Seja simpático ao extremo.

- Tudo bom Graziela?

Graziela gente, era um pouco vesga, mas reparei que ela não desviava os olhos de mim.
Arregalados assim.

Apaixonada.
Dava para ver os coraçõezinhos.

- Lindinha! Mas então Dona Jorgeane, nossos aparelhos...

Maluco...um labrador pulou de trás do sofá, e passou por cima de mim, igual o super cão.
- Hulf!...(Deu para entender que é o latido do cachorro, né?)

Era bonitão, forte, com pêlo branco.

Eu acho lindo cachorro de comercial, correndo pela grama.
Mas odeio cachorro pulando em cima de mim.

E Salut, claro, como todo cão que se preze, sabia disso.

Começou a pular.

- “Salut, quieto!”

Após cinco minutos, a porra do cachorro parou e ficou encarando.

Salut de um lado e Graziela do outro.

Ambos com a língua para fora.

- A senhora gostou de qual, Dona Jorgeane?

Regra 4: Repita o nome do cliente várias vezes para gravar. Vendedor que esquece o nome do cliente perde a venda.

- “Adorei esse aqui Angelo!”

Graziela, mais perto do que eu gostaria, começou a brincar com minha gravata.

Tinha a estampa do Snoopy.  Meiga.

- “Larga a gravata do moço, menina”

- Deixa ela!

Joguei a gravata para trás, Grazi estava no meu cangote, e dei um sorriso falso.

- Então, boa escolha, pois esse aparelho é ótimo! Ele filtra, ioniza, esteriliza...

Dona Jorgeane tinha gostado do Water Special Ecologic Ice Line.

Repete você que está lendo:
Water Special Ecologic Ice Line.

Puta que pariu! Nome bonito da porra.

Era de água gelada, o mais caro.
- “Comissão boazona, Mané!” Diria meu ex parceiro de venda.

(Outro dia conto a história dele).

Estava tudo certo, Dona Jorgeane assinando os cheques para dividir em cinco vezes.

Porque além de entrar na casa da pessoa e ganhar a confiança dela, você tinha que sair de lá com o dinheiro dela sem entregar porra nenhuma.

Na pura confiança. Haja papo.

De repente um puxão no pescoço.

- Vul!  (Eu não estou muito bem nas onomatopéias hoje, eu sei)

O estrupício da garota estava com 70% da gravata dentro da boca.

- Ops! Graziela...

Fui tirar a gravata da boca da maldita, mas ela travou a mandíbula.

Igual um cachorro.

- “Graziela solta a gravata do moço agora!”

Mas Graziela Rottweiler não ia soltar nem com trovoada.

E eu puxando com força:
- Solta amorzinho...
E ela foi comendo mais ainda, rindo, com o dente cerrado.
Saca a demônia?

Eu me levantei, a pasta caiu, os papéis da venda voaram.

Salut nervoso começou a latir.
Tava vendo a hora que ele ia me morder.

E Dona Jorgeane beliscando a menina possuída.

Antigamente eu era viciado num chocolate que vinha uns cartões, com umas figuras de bichos lembram disso?
Qual era o nome mesmo...?
Lembrei: Chocolate Surpresa da Nestlé.

Atrás vinha escrito algumas curiosidades sobre os bichos.
Lembro de ter lido que o ponto fraco dos bichos selvagens é sempre um: Os ollhos.
Se você estiver com um crocodilo mordendo sua perna. Enfia o dedo nos olhos dele.
Fica a dica.

Não, eu não enfiei o dedo no olho da menina.

Mas apertei a bochecha. Um pouquinho forte.

Ela parou de rir e começou a chorar.
Mas soltou.

A gravata estava toda babada, nojenta, pingando, o Snoopy...

Dona Jorgeane, morrendo de vergonha, enxugou com pano de prato.

Você que está lendo comprou algum purificador de água de mim?
Nem ela!
Perdi a gravata e a venda.

Quando estava indo embora, Salut, parado no portão, me olhava assim como quem diz:

- “He he he!”   

Igual Mutley, o cachorro do Dick Vigarista.

9 comentários:

  1. Aqui em São Pedro da Aldeia ainda vendem yakult de porta em porta! Acredite se puder...

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  2. Me dá um autógrafo?

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    1. Não sendo em cheques. Ha! Será que um dia eu escuto isso de verdade?
      Bjs

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  3. Parabens pelo blog.
    Me lembrou um livro "Ria da minha vida antes que eu ria da sua".
    No aguardo de novos causos!

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  4. Muito bom. Vc é um artista valioso! Sua sogra.

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  5. Vc além de artista é escritor valioso!

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