terça-feira, 20 de março de 2012

Gyodai


Na primeira mordida eu já sabia que ia dar merda.

Um ser humano não pode querer se alimentar com dois reais.

Quer dizer, dá para comprar um biscoito, uma fruta.

Mas não:
- Me vê um salgado e um refresco!

O Chinês me entregou o lanche e sussurrou algo para o outro balconista.
Em mandarim, claro!
Eu sei que é a língua deles, mas mesmo assim me dá um nervoso...

O salgado para parecer fresco, precisaria de duas horas de Photoshop e o refresco, pela cor, era de uma fruta não existente no sistema solar...
Escorria tanto óleo que se eu passasse a mão no cabelo ficaria igual a Malu Mader.

Mas com fome...

-Nhac! Nhac! Nhac!

O último pedaço de massa eu joguei para um cachorro sarnento.

Ele cheirou, não comeu e ainda ameaçou dar uma reclamada:
-“Rulf”

Eu trabalhava num jornal e estava indo cobrir uma festa de rico.
Festa de rico se você não come antes está fudido!
Todo mundo sabe disso.

Eu não ia entrevistar ninguém, só ia pegar os nomes de quem o fotógrafo clicasse.
São as mesmas pessoas de sempre. Moleza!

Mas moleza mesmo era o fotógrafo que estava comigo nesse dia.
Tinham cinco fotógrafos na empresa.
Era gente boa, mas era modo: slow motion.
Até o flash dele demorava para sair...
O cara era muito lerdo.
Ás vezes eu tinha que pegar a mão dele e mexer, igual a gente faz com o mouse para sair do descanso de tela, saca?
Vamos chamá-lo de Peter Parker pois os dois tem coisas em comum:
Ambos são fotógrafos e ambos tinham teia de aranha.

A festa era chic, menino!
O traje era passeio completo ou esporte fino, nunca sei a diferença!
Eu sei que estava de terno, gravata e metido para caramba.
Estilo 007.
Tudo bem que era o único terno que eu tinha, se eu ficasse em casa e o mandasse no meu lugar ele ia.
Meu inimigo do peito disse que eu estava mais para pastor evangélico do que para espião britânico.

Tudo bem, mas então era um pastor gostosão!)

(Dá licença de eu me curtir?)

Por trás de tudo a festa era política.
Ou seja, risos, falsidades, futilidades, muita gente tirando onda e outras babando o ovo.
Normal.

- “Querido, faz uma foto minha com o governador!”

O malandro tinha acabado de lançar a candidatura mas já chamado de governador.

- Claro senhora!
- Peter! Clica os dois por favor!

Assim que Peter bateu a foto senti uma vibração estranha.
Um suador, um frio na espinha e todos os pêlos do meu corpo arrepiaram!

Mau Presságio? Mediunidade? Infarto agudo no miocárdio? Encosto?

Porra nenhuma! Caganeira mesmo!
Era o salgado chinês possuindo o meu corpo de dentro para fora.
Possessão demoníaca.
A cólica veio de uma vez só.
- Humpf!
Alguém lembra do filme: “Alien, o oitavo passageiro?”
A cena do bicho andando pela barriga do cientista?
Assim.

Cruzei a festa sem me explicar tentando segurando a marmota.
Nem peguei o nome da mulher, foda-se!
Estava com a cara branca igual mímico!
Catei o resto das forças que tinha para achar o banheiro

(Já reparou que quando a gente chega perto do banheiro a vontade aumenta?
O GPS do cú é sinistro!)

Virei a esquina por trás do buffet, avistei a plaquinha WC, corri e meti a mão na maçaneta...

TRANCADA!
(Assim mesmo em caixa alta!)

Só podia entrar uma pessoa de cada vez.
Festa de rico, na casa de rico num era para ter um banheiro enorme?
Não era para poder jogar futebol americano na porra do banheiro do rico?
Mas não.

- Humpf!
Outra contração! Essa mais forte!

Encostei as costas na parede de espelho e fui caindo.
Mentaliza o azul Angelo! O azul, o azul...

O suor gelado que descia pela testa se encontrava com as lágrimas que deslizavam dos meus olhos.

Tudo foi escurecendo...
Minha vida passando pela minha cabeça.

Que jeito mais indigno de morrer.

Todo cagado numa festa cheia de merda.

Bom, pelo menos eu já estava de terno para o caixão.
Pensei até em escrever algo para minha mãe no espelho com o dedo.
Tipo: Mãe te amo!

Mas não tive forças.

- Tá saindo...
Saio da vida para entrar para história.
- Adeus!

- “PUM!”

Era um pum!
O pum da esperança!
Um punhado de areia na minha ampulheta.

A porta abre e me sai um cara guardando um pentinho pequenininho no bolsinho do paletosinho.
O viadinho estava penteando a sobrancelha.
Enquanto um ser humano definhava no chão capacho.

Sentei no vaso como se fosse o último lugar na VAN de Jesus para o céu.

E vou te falar.
Eu sei que o assunto é chato...
Mas nesse dia eu dei a luz ao Gyodai.

Como é mesmo infecção intestinal em chinês?

Fiquei no sanitário igual um Chaplin.

Em itálico sabe?

Triste.

Quatro encarnações minha passaram por ali.
Eu fechava os olhos tentando me teletransportar para um lugar feliz.

Mas eu ainda tinha uma festa para cobrir.
E Peter Parker, o Homem-Caramujo, já devia estar boladaço.

Se tem uma coisa que agradeço as mulheres foi o advento da ducha higiênica para lavarmos nossas partes íntimas.
Obrigado mulheres!
Odeio me limpar com papel.
E odeio mais ainda quando não tem papel.

Cara! É muito clichê não ter papel, né não?
Eu sei...
Que porra de festa de rico era aquela?
Tinha Prosecco, Caviar, Couve-de-bruxelas, mas não tinha um rolo de papel higiênico?

Só havia um jeito.
Não, eu não ia me limpar com a cueca.
Mas confesso que pensei no assunto.

O plano era:
Eu teria que sair do banheiro, ir até a pia que ficava entre os dois toaletes e confiscar os papéis toalhas.
O banheiro era escondido, dava tempo.
Era arriscado, mas dava.

Eu sou Matrix!

Abri a porta devagarzinho, reparei se tinha alguém vindo, corri até o lavabo, puxei uma porrada de papel toalha e voltei de costas no estilo Tartaruga Ninja.

Ha!

De repente:
- “TRIMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM!”

Caralho mermão! Tomei um susto da porra!

- “TRIMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM!”

Que merda é essa?

(Tá de sacanagem que tinha uma câmera de segurança com interfone dentro do banheiro?)

Claro que não!

Era a porra de um celular de alguém escondido em algum lugar.
Estava em cima da descarga.

Vozes na porta do lado de fora:
- “Está aqui no banheiro!”
- “Toc, toc, toc!”

Por acaso eu mencionei que no susto deixei quase todos os papéis toalhas caírem no chão úmido?

Sobrou só um que ficou por cima.

Imagina limpar o teto da Capela Sistina com uma esponja?

- “TRIMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM!”
- Senhor, o teu celular está aqui dentro comigo, só um minuto por favor!”

(Ele estava com medo de que? De eu fugir com o celular pelo vaso?)

Naquela situação, eu precisaria de alguma técnica oriental para me limpar com apenas uma folha de papel toalha.
Fiz o que pude, vesti o terno, lavei a mão e seja o que Deus quiser!

Abri a porta quem era?
O Sr. "Sobrancelha de Playmobil”.

Entreguei o aparelho e o babaca nem agradeceu.
Ainda limpou o telefone todinho com nojo.
Se eu soubesse tinha limpado a bunda com o celular do filho da puta.
Mas enfim.

Eu podia ter aproveitado para pegar mais papel, mas já rolava uma fila de mulheres do lado de fora e eu fique com vergonha do fedor cadavérico que exalou do banheiro.

Desmanchou até as chapinhas das socialites.

Quando eu voltei para a festa, Peter Parker tinha feito fotos de todo mundo e eu não tinha pego o nome de ninguém.
O desgraçado resolveu virar The Flash naquele dia.

Nunca mais consegui comer comida oriental.

Eu sei, eu sei, mas uma coisa leva a outra...

13 comentários:

  1. Só você mesmo pra conseguir tirar uma história de caganeira da mesmice que todas têm em comum!! Excelente, mais uma vez!!!

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  2. Mas fala a verdade, a cueca não sobreviveu depois de um único papel toalha!?

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  3. Ri horrores!!! Obrigada por fazer meu dia mais feliz!!

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  4. Muito bom, como tudo que vc escreve. Senti até o cheiro que veve ter ficdco banheiro.

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  5. Ri muito com essa história! Mais uma vez mandou muito bem!

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  6. as vezes eu paro e penso que as merdas só ocorrem comigo, mas entro aqui e vejo que acontece pior com você!!
    rsrrs... obrigada.. MESMO!

    Danielle Guiot

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